Uma metáfora interessante que podemos estabelecer é ver o café com uma fênix, pois, na sobrevivência, ambos se tornam algo admirável, que no caso do café se manifesta em sabores e aromas revelados. Para ter esse resultado magnífico, é preciso levar em conta os cuidados com a semente, tratá-la de forma afetiva, com um olhar delicado, para que não haja danos na membrana celular do grão ou a aceleração dos estágios para ganhar eficiência. Essa velocidade pode comprometer a qualidade do produto.
Para iniciar essa conversa, é preciso entender em que momento realizamos a colheita. Dentro da Nespresso, consideramos o momento certo quando pelo menos 95% das frutas estão maduras. Além disso, existem cultivares de café com maturação precoce, média e tardia – que devem ser consideradas no planejamento agrícola. Depois disso, o relógio começa a contar para o café pós-colheita, ou, como dizemos, a secagem.
Muitas vezes, as fazendas não observam a estrutura para esse procedimento, tornando-se, na maioria das vezes, o gargalo das operações. Por exemplo, se eu quiser produzir 100 sacas de café, preciso ter uma estrutura adequada para secar adequadamente essa quantidade. Então fica claro mais uma vez que tudo começa com o planejamento.
Podemos considerar que uma das principais questões para esta etapa é realizar um processo de secagem de forma lenta e contínua. Isso garante que a umidade seja retirada de dentro para fora da semente, que no fruto maduro tem 60 a 70%. Seguir esse procedimento completo é importante para eliminar a possibilidade de o grão se tornar um novo cafeeiro, afinal, estamos falando de um embrião vivo.
É importante notar que a secagem tem duas etapas principais. O primeiro, citado acima, deixa a semente com até 30% de umidade e o segundo é o que chamamos de período semi-seco. A partir deste ponto, o café não pode mais umedecer. Se isso ocorrer, perdemos o grão, pois começa uma fermentação negativa, que apodrece a semente e o embrião. Tendo entendido isso, podemos agora orientar o próprio processo.
TÉCNICAS DE SECAGEM
Existem várias maneiras pelas quais podemos realizar esse procedimento. Uma das mais conhecidas é a secagem natural ao sol através de terraços, ou pátios de secagem, sendo o concreto o melhor material. Essa técnica garante que ocorra a absorção parcial da umidade da semente, dada a importância de realizar um trabalho que gere o menor atrito possível. Sabemos que esse momento da produção de café exige movimento, mas isso precisa ser feito com cuidado para não danificar o grão. Além disso, neste método, a céu aberto, existe o risco de chuva. Por isso, é fundamental dar total atenção às questões climáticas e estabelecer um plano de ação com os responsáveis, garantindo total atenção ao processo.
Outra técnica que pode ser utilizada na pós-colheita é o terraço suspenso, que são estruturas feitas com sombra que acomodam o café por cima. Como qualquer sistema, existem pontos positivos e negativos que precisam de atenção. Na secagem suspensa não há troca de umidade entre a semente e o solo, isso pode tornar o processo um pouco mais demorado. Outro ponto que merece atenção nessa técnica é o manuseio. No terraço térreo é mais fácil de manusear com o uso de rodos, no terraço suspenso este procedimento é feito manualmente.
Ainda falando em secagem suspensa, a manipulação manual nos permite tratar o café como deve ser tratado, como alimento, com todos os cuidados necessários, e isso é positivo. Porém, dentro da ampla demanda que temos pelo produto, na Nespresso, por exemplo, é impossível ter a quantidade de terraços suspensos para secar os cafés, então essa técnica é utilizada, na maioria das vezes, em microlotes ou cafés de concurso .
Uma terceira metodologia é a estrutura do terraço de concreto coberto, que seria algo semelhante a uma estufa. Nesta técnica utilizamos um plástico que cobre todo o quintal, inclusive as laterais. Isso permite que a estrutura seja aberta conforme necessário. Um dos muitos benefícios dessa modalidade é a não exposição ao risco climático. Assim como na secagem suspensa, esse processo é muito caro e, portanto, há uma limitação de investimento, consequentemente sendo utilizado também para microlotes ou cafés tenros.
Com esses processos relatados, podemos concluir que existem dois fatores essenciais para a secagem do café: o tempo e a temperatura. Em relação ao tempo, é possível dizer que há uma variação entre uma semana e 30 dias e, como vimos, são vários os fatores que interferem nesse processo, haja sol ou não, além de outras condições. É fundamental ter a visibilidade de que cada uma dessas interferências impacta diretamente na qualidade do produto.
Como sabemos que nem todo dia tem sol, a instabilidade do clima é preocupante, mas para isso, existe uma alternativa que é a secagem mecânica, com secadores rotativos que utilizam lenha ou até mesmo gás como combustível. Independentemente do processo, a temperatura de secagem, principalmente na metade seca, não pode ultrapassar 40ºC, sendo a secagem mecânica utilizada principalmente nesta etapa.
Normalmente, na estação seca, os produtores intercalam a secagem entre os terreiros e o processo mecânico, a cada oito horas, o que permite controlar o momento crítico que representa. Essa técnica ajuda a homogeneizar os níveis de umidade entre todas as sementes, comumente chamado de descanso de café.
Depois que o café entra na fase final, com umidade entre 12 e 13%, a última secagem é feita em um local de armazenamento chamado tulha, que são silos de madeira onde o café repousa por mais 30 dias. Este é o último requisito para terminar a secagem. Esse tempo de descanso é essencial porque, a partir daí, é possível estabilizar o nível de umidade de todos os lotes. Nesse período, a principal ferramenta é o medidor de umidade, um leitor digital onde colocamos as amostras para obter os resultados necessários. É fundamental que o equipamento seja calibrado anualmente para dar o número correto, e com base nisso chegamos ao padrão adequado para o café.
Lembrando que a umidade é um dos principais pontos avaliados na especificação do produto. Se o café tiver uma medida inferior a 11,5%, pode significar que o embrião está morto, resultando em uma possível quebra do grão, ou seja, um produto defeituoso. Mas não pode ultrapassar 12%, pois se houver umidade acima desse percentual, há um alto risco de fermentação, criação de mofo ou até mesmo o surgimento de toxinas venenosas.
Por fim, é fundamental ter em mente que a umidade é um dos principais parâmetros que garantem a vida de prateleira do café. Normalmente, esse grão bem processado, chamado de café verde, seria a matéria-prima produzida na fazenda com vida útil de 12 meses sem perder qualidade. As boas práticas de armazenamento precisam controlar a umidade, temperatura e iluminação, garantindo o máximo tempo de exposição.
A secagem é o processo mais importante após a colheita do café, e realizar um processo de forma excelente é uma das principais atividades que as fazendas devem realizar, que começa com um bom planejamento, implementação de procedimentos rigorosos de controle de qualidade e treinamento das pessoas. , que são responsáveis por todo este trabalho.
Guilherme Amado é Líder de Qualidade Sustentável da Nespresso no Brasil e no Havaí.