A Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), instituída em 2017, trouxe esperança aos produtores de biocombustíveis, historicamente prejudicados pela descontinuidade das políticas públicas voltadas para a atividade. O complexo arcabouço institucional e regulatório prometia trazer um ambiente de previsibilidade e uma efetiva política de incentivos ao setor, valorizando as externalidades positivas relacionadas à produção e uso de biocombustíveis. Mas o aumento dos preços dos combustíveis e a consequente pressão inflacionária, com o agravante de estarmos em ano eleitoral, colocam novamente em xeque as políticas voltadas para o setor.

Em 21 de julho de 2022, o Decreto nº 11.141 alterou o Decreto nº 9.888, de 27 de junho de 2019, prorrogando o prazo para comprovação do cumprimento da meta anual individual de redução de emissões de gases de efeito estufa para a comercialização de combustíveis. Na prática, as metas de aquisição de créditos de descarbonização (CBios) pelas distribuidoras de combustíveis, para os anos de 2023 a 2030, seriam movidas para 31 de março do ano seguinte (anteriormente era 31 de dezembro) de cada ano. A mudança estendeu o prazo geral em 3 meses. Em relação às metas de 2022, o seu cumprimento foi adiado apenas para 31 de setembro de 2023, adiando a obrigação em quase 1 ano. O objetivo desse adiamento seria reduzir o ônus imediato das distribuidoras de combustíveis em relação à necessidade de compra de CBios, o que poderia se refletir em menor pressão sobre o preço dos combustíveis fósseis ao consumidor.

Como efeito imediato, o preço médio dos CBios caiu mais de 13% só na primeira quinzena de agosto, segundo valores negociados na B3. O efeito inicial parece pequeno, mas o impacto institucional pode ser maior no longo prazo, caso o governo opte por gerir a política de biocombustíveis de acordo com as necessidades imediatas.

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A política nacional de biocombustíveis, RenovaBio, foi instituída em 2017[1] após um amplo debate envolvendo agentes públicos e privados. Seus principais objetivos são:

  1. Estimular a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) no segmento de transporte, contribuindo para o cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris;
  2. Induzir ganhos de eficiência econômica e ambiental na produção de biocombustíveis;
  3. Definir regras para ampliação da oferta de energia limpa, em substituição aos derivados de petróleo;
  4. Reconhecer e valorizar as externalidades positivas associadas aos biocombustíveis — tanto os já comercializados em escala comercial no Brasil (notadamente o etanol) quanto os provenientes de rotas em desenvolvimento (como biogás e bioquerosene de aviação, por exemplo).

A política assenta em três pilares principais. A primeira refere-se à meta de dez anos de descarbonização para o setor de transportes no Brasil, instrumento que visa definir o limite máximo anual de intensidade carbônica (IC).[2] para a matriz de combustíveis brasileira. Para atender a esse limite, é necessário aumentar a participação dos biocombustíveis ou produzi-los com menores níveis de emissão de gases de efeito estufa.

O segundo pilar trata do mecanismo de valorização do carbono que deixa de ser emitido no processo de substituição da energia fóssil por energia renovável. Essa valorização se dá pela venda do certificado de redução de emissões denominado Crédito de Descarbonização (CBIO), que é gerado quando o biocombustível é vendido pelo produtor ou importador. O programa prevê a compra desse certificado pelas distribuidoras de combustíveis para cumprir suas metas anuais de descarbonização. O preço do CBIO, por sua vez, é decorrente das condições de mercado, com ajustes efetuados por meio de sua venda em mercado organizado.

O terceiro pilar do programa estabelece um vínculo entre a eficiência energético-ambiental da produção e a renda que pode ser obtida pelo produtor de biocombustíveis com a venda dos CBIOs. Ao quantificar as emissões de acordo com as características de cada produtor, o programa reconhece as diferentes etapas dos processos de produção e comercialização, de modo que quanto mais eficiente (ou seja, quanto maior sua capacidade de gerar energia limpa, emitindo menos GEE), maior será o número de CBIOs gerados.

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Atualmente, 312 unidades produtivas são certificadas pelo RenovaBio e há outras em processo de certificação. No caso do etanol, as unidades certificadas correspondem a cerca de 90% da produção brasileira. Em relação ao biodiesel, as unidades certificadas respondem por cerca de 75% da produção nacional, o que mostra que ainda há potencial para ampliar a oferta de CBios.

O RenovaBio está longe de ser unânime entre os especialistas no desenho de políticas públicas e incentivos setoriais. A principal crítica recai sobre a complexidade do programa, envolvendo uma série de instituições, a participação de diferentes agentes (públicos e privados) e um amplo marco regulatório. Há argumentos de que, antes do RenovaBio, já existia a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide-combustíveis), que poderia afetar o preço dos combustíveis fósseis e, assim, estimular a produção de biocombustíveis, de forma simplificada e eficiente.

Porém, na prática, a Cide tem sido historicamente utilizada como instrumento de controle da inflação e foi zerada em diversos períodos, conforme necessidade do governo em relação ao preço dos combustíveis no mercado, não trazendo segurança ou previsibilidade ao produtor de biocombustíveis ou qualquer retorno econômico ao produtor que compense a externalidade positiva envolvida na produção e consumo de seu produto.

A dinâmica do RenovaBio visa, de modo geral, trazer mais previsibilidade e corrigir uma importante falha de mercado que caracteriza o uso de energias renováveis ​​e etanol no Brasil: a presença de externalidades que resultam em nível subótimo de produção e consumo de biocombustíveis e superinvestimento em fontes fósseis . Em essência, com a comercialização do CBios, o que era uma externalidade positiva torna-se um retorno econômico para o produtor de biocombustíveis; o que era uma externalidade negativa, por outro lado, torna-se um custo privado adicional aos fósseis.

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Mas mudanças de prazos e regras por parte do poder central — como as que vêm acontecendo — podem colocar em descrédito os objetivos do programa, já que o RenovaBio se baseia em metas de longo prazo, que orientam grandes investimentos tecnológicos e produtivos, sendo um mecanismo que exige estrito cumprimento para seu pleno funcionamento. Mudanças imediatas em tais programas podem resultar em sua ineficiência, como mostra o histórico de muitas políticas públicas no Brasil.



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