Terra Indígena no Paraná: Soja, Milho e Pecuária dominam 60%, diz estudo
Thank you for reading this post, don't forget to subscribe!Mais de 60% de uma terra indígena no oeste do Paraná é dominada pelo agronegócio, enquanto o povo Avá-Guarani resiste em 1,3% da área, com roças tradicionais. Isso é o que o diagnóstico mostra Impactos da produção de commodities agrícolas nas comunidades Avá-Guarani da Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá/Oeste do Paranáproduzido pela Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) e que será lançado às 8h desta quinta-feira (27/4), durante o Acampamento Terra Livre (ATL), na Praça da Cidadania, em Brasília.
Os municípios de Guaíra e Terra Roxa, onde está localizada a quase totalidade da TI Tekoha Guasu Guavirá, têm atualmente 80% de suas áreas destinadas ao agronegócio. Nesta Terra Indígena vivem mais de 3.000 indígenas do povo Avá-Guarani, cercados por grandes plantações de soja, milho e eucalipto. As consequências desse cenário vão desde a fome até a intoxicação por agrotóxicos, passando por ameaças à biodiversidade, aponta o relatório.
“Há casos de famílias que dependem dos restos de comida que recolhem no aterro de Guaíra. O confinamento territorial, atravessado por severos efeitos climáticos, agravam-se mutuamente o risco de perda da agrobiodiversidade, com consequências também na fome”, explica a geógrafa Teresa Paris, consultora do CGY e uma das autoras do estudo.
O documento também aponta a presença de roças e quintais dos tekoha ou aldeias do Guasu Guavirá como pequenas ilhas com grande diversidade de plantas alimentícias e medicinais, o que é uma forma de contornar a homogeneização de espécies industriais das lavouras do entorno e a escassez de alimentos que permeia as aldeias.
“Conseguimos plantar alguma coisa, mas não em quantidade suficiente para manter nossa sustentabilidade. As dificuldades em manter essas sementes se devem à falta de espaço, de agrotóxicos e também às mudanças climáticas”, disse Ilson Soares, coordenador regional do CGY e um dos líderes do tekoha Y’hovy.
Fome, agrotóxicos e impactos na biodiversidade
Para enfrentar as situações de extrema vulnerabilidade alimentar impostas pelo confinamento territorial, os índios Avá-Guarani, confinados a uma parcela de 1,3% do total reivindicado para demarcação, vêm recorrendo a doações de cestas básicas do governo federal, como assim como o consumo da merenda escolar no caso da alimentação infantil, aponta o estudo.
O levantamento da CGY aponta que, segundo dados do Censo Agropecuário 2017, dos 661 estabelecimentos de Guaíra, 509 declararam usar agrotóxicos, enquanto 144 declararam não usar. Em Terra Roxa, dos 1.209 estabelecimentos, 921 faziam uso de agrotóxicos e 281 declararam não fazer uso. Diante disso, são recorrentes relatos sobre prejuízos à saúde dos indígenas, com aparecimento de sintomas como dores de estômago, dores de cabeça e diarreia após a dispersão dessas substâncias.
“Um idoso morador desta aldeia relatou que muitas vezes encontram galões de depósito de agrotóxicos jogados no rio, no local onde as crianças tomam banho e onde algumas famílias pescam, ao invés de serem devidamente descartados”, descreve o estudo referente ao tekoha Guasu Guavira.
Além disso, são mencionados os impactos nas plantações e na vida dos animais. “Muitas vezes algumas pessoas ficam doentes, os animais morrem, como as galinhas sempre acabam morrendo. Cada vez que os pesticidas são aplicados, as pessoas da comunidade sentem dores de cabeça, náuseas, às vezes vômitos e diarreia. E como não temos saneamento básico de qualidade, ficamos mais expostos”, destacou Karai Okaju.
O mesmo ocorre na aldeia tekoha de Pohã Renda, onde foram relatadas a morte de inúmeras galinhas não só em decorrência da pulverização de agrotóxicos, mas também porque os animais coçam sementes de milho envenenadas que são jogadas na plantação de eucaliptos, adjacente à a aldeia, a ordem de chegar às formigas, retrata a pesquisa.
Com exceção de três aldeias localizadas na área urbana, todos os tekoha do Guasu Guavirá fazem fronteira com a lavoura de soja, tendo em alguns casos um espaçamento inferior a dois metros entre a plantação e as casas. Assim, a exposição à deriva de pesticidas é sistemática.
Os Avá-Guarani já presenciaram, inclusive, o uso de agrotóxicos como arma química, ou seja, sendo pulverizados intencionalmente sobre as aldeias com o objetivo de atingir casas, roças e os próprios indígenas. “Eles se aproveitam dessas ferramentas e as usam como se fossem armas químicas. Tínhamos esse problema do fazendeiro jogar veneno em cima da comunidade e deixar todo mundo doente, já aconteceu em pelo menos duas comunidades, jogaram veneno com trator e uma vez de avião”, conta Karai Okaju.
Neste cenário, Teresa destaca a necessidade de proibir o uso de agrotóxicos nas lavouras próximas aos Tekoha, bem como o uso criminoso dessas substâncias nas aldeias. “É imprescindível proteger as comunidades e o território da contaminação, bem como preservar a agrobiodiversidade e as práticas e saberes associados típicos dos Avá-Guarani, bem como fortalecer o projeto de soberania alimentar das comunidades, garantindo o acesso aos alimentos em quantidade e qualidade necessárias. a todas as famílias do Guasu Guavirá.”
Confira o diagnóstico completo clicando aqui
As empresas lucram à custa da fome
Ainda assim, o faturamento obtido pelas principais cooperativas e empresas agropecuárias da região, como C.Vale Cooperativa Agroindustrial (C.Vale), Copagril, Integrada e I.Riedi Grãos e Insumos se multiplica ano a ano, batendo recordes, mostra o diagnóstico. “A C.Vale, que atua nos estados do Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, além das regiões do Paraguai, aumentou seu faturamento em 42,21%, fechando o ano de 2021 com faturamento de R$ 17,44 bilhões.”
Na mesma linha, a Cooperativa Agropecuária Integrada, com atuação no Paraná e em São Paulo, faturou R$ 5,85 bilhões em 2021. A Copagril, que atua no Paraná e no Mato Grosso do Sul, faturou R$ 2,42 bilhões no ano passado.
Diante dessa situação, o CGY chama a atenção para a narrativa de que o agronegócio brasileiro supostamente alimenta o mundo, utilizada inclusive pelo governador do estado, Ratinho Junior (PSD). “No contexto fático do maior país produtor de soja do mundo, ao contrário do que propaga a hegemônica narrativa ruralista de que o agronegócio brasileiro alimenta o mundo, 125,2 milhões de pessoas enfrentavam algum nível de insegurança alimentar e nutricional e 33,1 milhões de pessoas enfrentavam os mais graves forma de fome – não tinham o que comer no final de 2021”, aponta o estudo.
A pesquisa destaca ainda que a produção de alimentos básicos na alimentação da população, como arroz, mandioca e feijão, vem perdendo cada vez mais espaço em Guaíra e Terra Roxa, como culturas para a produção de commodities agrícolas.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) incluídos na investigação do CGY mostram que a área total cultivada com arroz caiu de 540 hectares (ha) em 1974 para 0 ha em 2020. A situação é semelhante com o feijão, que em 1984 (ano em que há informações mais antigas) tinha apenas 70 hectares plantados, caindo para 0 em 2020. No caso da soja, o crescimento foi de mais de 200% dos hectares plantados entre 1974 e 2020, no município de Guaíra.
Em Terra Roxa foram plantados 720 ha de arroz em 1974 e 1.650 ha de feijão no mesmo ano, ambas as culturas deixaram de ter um único hectare plantado em 2020. Ao mesmo tempo, houve um aumento de 245% nos hectares cultivados com soja na região.
Aliada à produção em larga escala, foi promovida grande devastação ambiental em ambos os municípios, sendo que em 2014 o percentual de matas e matas naturais correspondia a apenas 9% em cada cidade, revela o Diagnóstico.
A vegetação nativa que sobreviveu à devastação ambiental constitui atualmente apenas 12,4% da área demarcada da Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá, à qual os indígenas muitas vezes têm acesso impedido por proprietários privados. “Isso significa que o acesso às principais áreas florestais dos Avá-Guarani é extremamente restrito”, diz parte do relatório.
SABER MAIS
A situação atual da TI Tekoha Guasu Guavira se deve principalmente a um histórico de desapropriação territorial do povo Avá-Guarani, marcado por remoções forçadas, mortes, devastação ambiental e inundação parcial de seu território pelo reservatório da Usina Hidrelétrica (UHE) Itaipu desde a década de 1980.
Segundo informações do laudo de identificação produzido pela Fundação Nacional do Índio (Funai), em 2018 cerca de 165 fazendas tombaram no Tekoha Guasu Guavirá, essas posses originaram-se da concessão indevida de terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas, cedidas pelo Estado, em favor de empresas e proprietários privados individuais.
Além disso, segundo o estudo, “após a Constituição de 1891, que transferiu os poderes de titulação de terras para os Estados, várias concessões foram feitas pelo Estado do Paraná, então regido pelas oligarquias ligadas à exploração da erva-mate e da madeira. ” Nesse contexto, títulos incidentes no atual município de Guaíra foram concedidos pelo governo do Paraná à Companhia Mate Laranjeira e outras empresas obrageras.
Apesar das inúmeras dificuldades, a partir do final da década de 1990, as famílias então removidas ocuparam à força parte das terras que não ficaram submersas após a operação da UHE Itaipu, reafirmando a necessidade do reconhecimento dos direitos territoriais de Tekoha Guasu Guavirá.
Mesmo assim, o processo de demarcação está paralisado na Funai na fase de identificação e delimitação da Terra Indígena após ter sido suspenso em 2018 por decisão judicial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) de Porto Alegre, que foi favorável ao Federação dos Agricultores do Estado do Paraná. Posteriormente, o processo foi anulado pela Justiça Federal do Paraná em decisão favorável ao município de Guaíra, levando a uma disputa judicial que permanece sem solução, já que a Funai não quis recorrer da decisão até o momento.
A essa conjuntura, somam-se a insegurança territorial, o racismo e, consequentemente, o desemprego e os graves efeitos psicológicos sobre os povos indígenas, marginalizados pelo setor rural das cidades. Karai Okaju narra como se deu o movimento orquestrado para impedir a continuidade da demarcação da TI Tekoha Guasu Guavira. “Fizeram manifestações na BR e manifestações silenciosas com faixas na entrada da cidade, que diziam: ‘Invasão indígena não combina com ordem e progresso’, com adesivos em carros que diziam: ‘Não à demarcação de terras indígenas’” , ele diz.
A partir daí, as práticas racistas, segundo ele, tornaram-se ainda mais extremas. “A ponto de termos parentes baleados, linchados, atropelados e também outros impactos psicológicos. O suicídio virou uma epidemia com preconceito na cidade, falta de emprego e discriminação nas escolas”.
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