As lavouras de cevada brasileiras apresentam altos rendimentos, comparáveis aos de grandes países produtores de cereais. O problema está na estabilidade na oferta de grãos de qualidade para abastecer a indústria de malte instalada no país. Esta foi a nota do 33º Encontro Nacional de Pesquisa em Cevada, realizado nos dias 2 e 3/08, em Passo Fundo, RS.
O painel de avaliação da safra incluiu os resultados da cevada no Brasil nos anos de 2019, 2020 e 2021. De modo geral, a produtividade média da lavoura ficou acima de 3,6 toneladas por hectare (dados da Conab). No entanto, segundo análise da Ambev, o percentual de grãos de cevada utilizados pela indústria de malteação do Rio Grande do Sul foi de 50% em 2019, caiu para 41% em 2020 e chegou a 72% em 2021. implantação da cultura ou excesso de umidade na floração e colheita. “Olhando apenas para 2021, em um ano de clima favorável, perdemos 30% da produção por falta de qualidade. Não é uma margem aceitável. Nem tudo é culpa do clima, precisamos melhorar as etapas do sistema, desde a implantação das lavouras, passando pelo manejo até o recebimento na indústria”, lamenta o pesquisador da Ambev, Mauri Botini.
A indústria cervejeira necessita de grãos de cevada que tenham teor mínimo de 9,5% e máximo de 12% de proteína bruta, além de uma taxa de germinação de 95%, atributos que permitem que o malte seja feito com qualidade que atenda ao mercado. Grãos maiores livres de contaminação por micotoxinas também são desejáveis.
Devido ao nível de exigência quanto aos atributos físicos e químicos dos grãos de cevada para fins cervejeiros, muitos produtores do RS estão migrando da cevada para o trigo. A área de cevada, que chegou a 90.000 hectares (ha) em 2015, caiu para 38.000 ha na última safra. Atualmente, entre as culturas de inverno do Rio Grande do Sul, a cevada representa apenas 2% da área, enquanto o trigo cobre 74% e a aveia 21%. “A redução de área foi uma estratégia da empresa em busca de estabilidade e melhor eficiência no cultivo da cevada na região”, diz Botini, lembrando que a cevada exige um pacote tecnológico superior ao trigo, em um sistema de produção que está sendo aprimorado junto com o parceiro produtores. Ele acredita que, com o avanço de novas cultivares, a área deve voltar a crescer, principalmente na metade norte do Rio Grande do Sul, onde a produtividade é maior.
Na contramão do RS, no estado do Paraná a área de cultivo vem crescendo nos últimos cinco anos e chegou a 73 mil ha em 2021, um aumento diretamente relacionado ao trabalho de promoção da cevada. Entre as 214 famílias cooperativas da Cooperativa Agrária, o crescimento tem sido superior a 10% ao ano. “A área da cevada avançou sobre o trigo, principalmente pela vantagem de sair mais cedo do campo e permitir a semeadura precoce da soja”, explica o pesquisador da FAPA/Agrária Noemir Antoniazzi, lembrando que a promoção do cultivo da cevada também é estratégica para a cooperativa, que tem uma maltaria no sul do PR e faz parte do grupo de cinco cooperativas que vai instalar uma segunda maltaria em Campos Gerais, PR em 2023. “Descobrimos que é mais fácil comprar trigo no mercado para abastecer o usina do que obter cevada de qualidade para maltagem”, conclui. Para garantir o abastecimento de cevada, já que entre os cooperados da Agrária o crescimento da área atingiu o limite, a equipe de desenvolvimento buscou produtores não cooperados e prevê um crescimento de 23% na área contratada nesta safra. “Temos dificuldade em identificar produtores com capacidade técnica para produzir cevada. Muitos produtores ainda não dominam as particularidades de adubação e manejo de doenças, por exemplo”, avalia o responsável pela promoção Marcelo Marochio.
alimentação animal
Historicamente, os grãos de cevada que não atingem o padrão para maltagem são destinados à alimentação animal com valor equivalente ao do milho, com defasagem que no passado chegava a 50%. No entanto, com o aumento dos preços dos grãos em geral e o mercado de ração animal aquecido, muitos produtores tendem a investir menos na lavoura de cevada, principalmente a baixa adubação, deixando os grãos com pH mais baixo, focando apenas no volume de rendimento e não em proteína e germinação, que ou seja, visando colher grãos fora dos padrões cervejeiros, mas adequados para a indústria de ração animal. “Toda cevada fabricada pode ser forrageira, mas nem toda cevada pode ser utilizada para maltagem, atendendo aos requisitos mínimos de qualidade”, explica o Gerente Regional Agro da Ambev, Caio Batista. Segundo ele, no mundo, dos 145 milhões de volumes de cevada produzidos anualmente, apenas entre 10 e 15% são utilizados para fins cervejeiros.
De olho nesse mercado de ração (termo usado para indicar o destino da produção para ração animal), a Argentina está substituindo o trigo – que além dos desafios de mercado tem várias barreiras governamentais à exportação – pela cevada. Hoje existem cerca de 1 milhão de hectares de cevada no país vizinho que poderiam ser usados para fabricação de cerveja, e essa área deverá continuar a crescer. “Nos últimos anos, grande parte da safra de cevada argentina foi destinada ao Oriente e à Ásia, para uso na alimentação animal. Como a relação entre oferta e demanda de cevada no mercado internacional sempre foi estreita, qualquer mudança pode causar instabilidade na dinâmica do mercado”, explica Caio.
Para o pesquisador da Embrapa Trigo, Aloísio Vilarinho, o mercado de cevada na alimentação animal está apenas começando no Brasil, mas deve se consolidar rapidamente: “A escassez de milho devido à crescente produção de proteína animal abre a oportunidade para o uso de cereais de inverno na alimentação. A Região Sul tem área e conhecimento para abastecer este mercado e a cevada tem se mostrado uma excelente alternativa para alimentação de bovinos, suínos e aves”, afirma o pesquisador, lembrando que, em pouco tempo, o valor pago pela fabricação de grãos de cevada deverá ser igual à cevada forrageira.
O 33º Encontro Nacional de Pesquisa da Cevada reuniu mais de 120 pesquisadores no auditório da Embrapa Trigo, em Passo Fundo, RS, nos dias 2 e 3 de agosto. Foi realizado pela Ambev, em parceria com a FAPA/Agrária e a Embrapa. Ao final do Encontro, os participantes fizeram uma visita às instalações da Maltaria Passo Fundo, administrada pela Ambev.
O principal resultado do evento é a atualização da publicação “Indicações técnicas para a produção de cevada cervejeira nas safras 2023 e 2024”, que deve estar disponível até o final deste ano. Entre as principais mudanças previstas está a inclusão de duas novas cultivares desenvolvidas pela equipe de pesquisa da Ambev: ABI Rubi e ABI Valente. A próxima edição do Encontro de Pesquisa está prevista para o mês de abril de 2024, realizada pela FAPA/Agrária.