Mas, diferentemente do resto do planeta, há aqui um diferencial competitivo que merece atenção: o etanol. Foi considerado o elemento de transição para a mobilidade fazer a transição para carros com zero carbono.
A indústria automobilística vem olhando muito de perto esse produto, pois, diferentemente dos países desenvolvidos, o Brasil não tem condições de migrar do carro de combustão interna diretamente para os modelos 100% elétricos.
“Seria um salto muito repentino, muito brutal”, diz João Irineu Medeiros, diretor de Conformidade e Regulação de Produtos da montadora Stellantis. Ele ressalta que a Europa fez isso, mas o Brasil não precisa e não pode. Não precisa porque tem etanol. E não pode porque o custo é alto.
“Os investimentos em andamento são altos e precisam ser amortizados. Por isso, o processo deve ser ritmado. Os programas que existem no país ajudam o Brasil a refletir sobre o assunto e a entender os setores que emitem CO2. E todos têm que ter a objetivo de descarbonização. Todos os setores precisam dar sua contribuição”, argumenta.
O diretor da Stellantis se refere a programas como Combustível do Futuro, RenovaBio, Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel, Rota 2030, entre outros. São iniciativas que ajudam o país a pensar em um marco regulatório, algo necessário para a mudança de paradigmas que o Brasil precisa promover em diversos setores, inclusive na mobilidade, dado o compromisso assumido em torno da redução das emissões de carbono. Signatário do Acordo de Paris, o governo brasileiro está comprometido em alcançar a neutralidade até 2050.
João Irineu destaca que o Brasil tem “uma excelente oportunidade” para descarbonizar a mobilidade incentivando o uso do etanol. “Nenhum país do mundo tem essa oportunidade de promover a descarbonização a um custo tão baixo e tão rápido”, afirma. É importante lembrar que os países europeus estão avançando nessa agenda graças aos subsídios ao consumidor para incentivar a compra de carros elétricos. Não há chance de curto prazo de fazer isso aqui.
“O Brasil tem quatro décadas de acúmulo de tecnologia nessa área e intensificar o uso do etanol é uma decisão inteligente, que leva em conta a imensa plataforma de produção, logística e distribuição já implantada no país”, afirma João Irineu.
comprando tempo
Outro aspecto é que a transição para o uso do etanol dá tempo para que o custo de um carro 100% elétrico caia. Atualmente existe uma forte demanda por baterias elétricas no mundo, devido ao acelerado processo de zeramento de emissões de carbono em vários países europeus, e essa demanda está desequilibrada com a oferta, o que aumenta os custos de produção.
O executivo defende que deve haver incentivos por parte dos governos para o uso do etanol. Estimulação do lado do consumidor, preço de ataque, considerando a equação do desempenho do carro com etanol – em média 30% abaixo da gasolina -, mas também do lado da distribuidora”, diz.
A indústria fez sua parte. O Programa Inovar-Auto, encerrado em 31 de dezembro de 2017, atingiu a meta de melhorar em 11% o motor a etanol. Seu sucessor, o Programa Rota 2030, tem o mesmo percentual como meta a ser cumprida até 2030.
motores híbridos
Caminhando para a descarbonização, a Stellantis trabalha na combinação do etanol com a eletrificação em motores híbridos, como transição para a mobilidade sustentável de baixo carbono. Porque isso permitirá o acesso a tecnologias de baixa emissão para faixas maiores do mercado consumidor.
Mas sua rota tecnológica para o trem de força não para por aí. Começa com o desenvolvimento de motores mais eficientes, passa pelo aprimoramento do etanol e sua utilização em sistemas de propulsão híbridos, que combinam biocombustível com eletrificação. A rota segue para motores elétricos a bateria e segue para células a combustível de etanol.
Protagonismo
Ao considerar o conceito do poço à roda (neste caso, do campo à roda), o etanol é altamente eficiente em termos de emissões, pois a cana-de-açúcar em seu ciclo de desenvolvimento da usina absorve de 70% a 80% do CO2 liberado na produção e queima de etanol combustível.
E o setor sucroalcooleiro está ciente disso. As mudanças nos carros levarão o etanol ao protagonismo que tinha na década de 1970, quando foi lançado o Programa Pró-Álcool. Na época, surgiu como alternativa à gasolina e graças a isso, hoje, quase 75% da frota brasileira é flex-fuel.
Para o presidente do Sindicato Sucroalcooleiro de Pernambuco (Sindçúcar-PE), Renato Cunha, o etanol terá vida longa como combustível, mesmo que as montadoras avancem com a eletrificação. “O Brasil é o único país do mundo que tem uma rede de distribuição de etanol. São mais de 40 mil postos e isso é muito favorável”, diz.
O uso do etanol será aplicado tanto em veículos flex fuel quanto em um novo modelo que começa a ser explorado, que é o carro a célula de combustão. A célula de combustão extrai o hidrogênio verde que está no etanol.
“Nossa teoria é a hibridização das fontes, com o etanol. Para nós, o caminho são os carros de célula a combustão. O modelo 100% elétrico tem o desafio de descartar baterias, que têm lítio e cobalto. Carga?”, questiona Cunha.
A reciclagem de baterias é realmente um desafio. Para João Irineu, as baterias dos carros elétricos são objetos tecnologicamente muito avançados, que possuem uma elevada carga de materiais nobres e estes elementos vão certamente levar ao surgimento de fábricas de reciclagem de baterias, dada a necessidade de reutilização destes materiais.