Gil Reis*
Não surpreende que a comunidade internacional desconheça a pecuária nacional, pois a maioria de nós brasileiros também a desconhecemos. A falta de conhecimento sobre a pecuária brasileira cria uma oportunidade para alguns, no Brasil e no mundo, promoverem campanhas multimilionárias contra a carne, sentados em seus luxuosos escritórios nas grandes cidades, sem nunca terem visitado ou conhecido uma fazenda de gado. Mesmo assim, manipule as pessoas como se fossem vaqueiros administrando um rebanho de gado.
A mais recente newsletter do Centro de Inteligência da Carne Bovina (CICarne) da Embrapa Gado de Corte, produzida por uma equipe de especialistas, busca responder à seguinte pergunta: “O que é carne bovina produzida no Brasil?” Reproduzo alguns trechos:
“A comunidade internacional está dizendo que a carne brasileira é produzida às custas da degradação da floresta amazônica, mas o que a sociedade brasileira pensa da nossa carne? Você sabe como é produzida a carne brasileira? Com exceção das pessoas ligadas ao agronegócio e, em especial, às ligadas à pecuária, grande parte da sociedade brasileira não sabe como o Brasil deixou de ser um importador de carnes, inclusive da Rússia, na década de 1980 (mesmo com o recebimento de uma suspeita de saída de contaminação radioativa da planta de Chernobyl), para a posição de maior exportador de carne bovina para o mundo.
Uma evolução desse tamanho aconteceu às custas da floresta amazônica? Não, obviamente não. Isso foi resultado de uma mudança sistemática baseada no aumento da produção e melhoria da produtividade observada no aumento da eficiência em todos os elos da cadeia da pecuária de corte, com pesados investimentos em pesquisa, com ampla disseminação do binômio braquiária/zebu na região subtropical. do Brasil Central, com a dedicação inédita de produtores rurais destemidos que acreditaram na vocação do solo brasileiro para o agronegócio e também no apoio governamental, que de uma forma ou de outra ajudou na interiorização da pecuária, no reconhecimento do produto nacional que junto culminou na revolução vista hoje de sul a norte e de leste a oeste neste país continental.
A carne bovina é tratada como commodity, ou seja, é, presumivelmente, comercializada indiscriminadamente ou, como diz o jargão popular, vendida como “bica run”. Agora, se conceitualmente deveria ser, na verdade não é verdade. Se a carne bovina é diferente ou tem características específicas dependendo da localização anatômica dos cortes no mesmo boi, você imagina se seria a mesma se fosse de dois bois diferentes? Ou se vem de um boi quando comparado a outro vindo de uma vaca? Quem dirá que será o mesmo se vier de bois criados de maneiras diferentes?
A carne bovina criada no bioma Amazônia, na região Norte, produzirá carne semelhante à carne bovina criada no bioma Pampa, na região sul? Utilizando dados da pecuária nacional (Relatório Beef. Perfil da pecuária no Brasil 2022), tentaremos caracterizar a carne brasileira e mostrar à sociedade como essa carne é produzida. O rebanho nacional em 2021 era da ordem de 196 milhões de cabeças, e destas, cerca de 39 foram abatidas (cerca de 20% do efetivo), o que gerou cerca de 10 milhões de toneladas de carne.
Dessa quantidade, os brasileiros consumiram cerca de 75%, ou seja, a população brasileira consumiu cerca de 100.000 bovinos por dia e cada brasileiro consumiu algo em torno de 34 kg de carne por ano. Em números redondos, oito em cada dez bovinos abatidos são consumidos pelo mercado interno, vale ressaltar que esses outros dois bovinos são exportados e geram consideráveis divisas para o país, sendo fruto do esforço conjunto do governo brasileiro ao abre mercados, dos produtores quando preparam os animais de acordo com a demanda e dos frigoríficos quando atendem às normas sanitárias e preparam os cortes de acordo com as exigências dos países importadores.
Quem abre o mercado é o governo, quem produz são os produtores e quem vende são os frigoríficos. E de onde veio essa carne que era consumida pelos brasileiros? Esta é uma pergunta muito complexa, mas vamos respondê-la de forma simples, pensando no passado e fazendo algumas suposições que, com meia dúzia de perguntas e evidências, seriam facilmente comprovadas como irreais. Mas eles serão úteis para o propósito deste exercício. Assumindo a carne bovina como commodity, que a produtividade da pecuária brasileira seja uniforme em todo o país, que não haja diferença entre boi e vaca, que todas as raças sejam iguais, que a produção dependa única e exclusivamente do gado e que, infringindo todas as leis de logística, a carne é distribuída uniformemente por todo o país.
Assim, continuando o exercício de caracterização da carne consumida pelo povo brasileiro, podemos dizer que para cada 100 animais consumidos pela população brasileira, 35 animais são da região Centro-Oeste, 22 da região Sudeste, 16 da região Sul, 14 do Norte e 13 do Nordeste.
Em resumo, a carne bovina não poderia ser considerada como parte do grupo das commodities, pois, sem dúvida, a carne bovina não é toda igual. Além de a carne brasileira não ser um produto único em termos de processo de produção e padrão sensorial, para complicar, os diferentes sistemas de produção também não conseguem gerar um produto típico, específico para cada um.
Naturalmente, o relatório da Embrapa é muito mais longo do que os trechos aqui transcritos. Deve-se notar que quando o texto cita o binômio braquiária/zebu, significa que a maioria dos animais, cuja carne consumimos, são zebuínos criados a pasto e alimentados com capim braquiária. É preciso lembrar também que a cadeia da carne começa com a pecuária e o zebu tem sua origem no gado vivo exportado pela Índia para o Brasil.
Independentemente de ser ou não tratada como commodity, o cenário é promissor para a carne bovina tanto no mercado interno quanto no externo, como afirmam especialistas da Embrapa: “Neste momento, a pecuária brasileira experimenta alternativas para dar mais um salto gigante, talvez até maior do que o experimentado na virada do século, o uso massivo da integração lavoura/pecuária proporcionará ganhos qualitativos e quantitativos incalculáveis na produção de nossa carne , fortalecendo ainda mais nossa posição competitiva no mercado global.”
Portanto, é bom não esquecer a reflexão do escritor, filósofo e poeta americano Ralph Waldo Emerson (1803-1822): “A diferença entre uma paisagem e outra paisagem é pequena; mas a diferença entre quem a contempla é grande.”
*Consultor de Agronegócios