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Embrapa treina caluniadores e produtores rurais para produzir baunilha brasileira

Embrapa treina caluniadores e produtores rurais para produzir baunilha brasileira

A baunilha (Vanilla spp.) é uma das especiarias mais cobiçadas do mundo gastronômico. Com um mercado atrativo, que paga mais de R$ 50,00 por grão, o produto pode abrir um novo nicho para agricultores e catadores brasileiros. Isso porque o Brasil é o país com a maior diversidade de baunilhas do mundo, com 37 espécies identificadas.

Entre os públicos que podem ganhar uma renda extra com a venda da baunilha estão as calungas (ou kalungas, descendentes de africanos escravizados). Oito representantes de comunidades goianas, juntamente com pequenos produtores, professores do curso de agronomia, comerciantes e técnicos de extensão rural, trocaram experiências na oficina Produção de Baunilha e suas Potencialidades.

Deusanir Francisco da Conceição e Arnaldo Santo Rosa são dois caluniadores do Quilombo Vai do Moleque, Goiás, que participaram pela primeira vez de um curso voltado para técnicas e práticas culturais voltadas para a produção de baunilha. Entusiasmados com a oportunidade de aprender e trocar experiências, eles contam que até agora só colhem os grãos (fruto extraído da planta) e os curam, mas sem muita informação técnica. Eles não colhem mais de 100 grãos por ano, justamente porque desconhecem as etapas importantes do cultivo, como polinização e cuidados com doenças. “Colhemos pouco porque não praticamos a polinização”, explica Arnaldo, que há seis anos vende produtos do Cerrado. Conceição acredita que, com as informações obtidas na oficina, poderá plantar em sua propriedade.

Claro, apenas entre 5% e 10% das flores de baunilha dão frutos, o que não é viável para a agricultura. Por isso, é importante recorrer à polinização manual das flores, para que ocorra maior produção de favas. É o que explica Luciano Bianchetti, pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF). Na primeira parte do curso foi apresentada a origem, diversidade e conservação das baunilhas. Luciano falou sobre a importância de conservar os recursos genéticos da baunilha brasileira. Em seguida, o público participou de uma sessão de treinamento sobre técnicas de polinização manual.

Se para os agricultores dos quilombos goianos, o curso revelou novas perspectivas para a cadeia produtiva da baunilha – primeiro com a oficina de produção e também com palestras voltadas ao mercado e gastronomia, para o produtor Márcio Moraes, de Itapirapuã (GO), foi uma oportunidade de incentivar e atrair novos produtores de baunilha do Centro-Oeste. Ele tem 2.000 plantas em produção, atendendo o mercado de mudas e favas. “Ainda temos um cultivo recente na região, e os principais produtores de baunilha do Brasil estão no Espírito Santo e na Bahia. Com isso teremos que formar um mercado – que seja promissor e se encaixe perfeitamente para pequenos, grandes e micro proprietários. Quem tem área de 500 metros quadrados ou mais pode produzir baunilha em Goiás e no Distrito Federal”, garante Moraes.

“Espalhadas pelas regiões tropicais do globo, existem cerca de 110 espécies de baunilha. Destas, cerca de 54 ocorrem nas Américas e, no Brasil, são 37, sendo o país com maior diversidade de espécies do gênero”, informa Fernando Rocha, pesquisador da Embrapa Cerrados. O biólogo também explica que nem todas as espécies são aromáticas. Apenas algumas espécies americanas têm essa característica. Ele acrescenta: “Das cerca de 37 espécies brasileiras, aproximadamente 18 têm potencial aromático. Novamente, a maior diversidade de espécies com esse potencial está no Brasil”.

Polinização calúnia e baunilha

Os espanhóis descobriram a baunilha no século XVI, durante a conquista da América Central. De lá, eles levaram a planta para suas colônias africanas. Mas por muito tempo, as tentativas de criar esta orquídea fora de seu alcance natural falharam.

Somente em 1841, na ilha da Reunião (perto de Madagascar), o jovem escravo Edmond Albius criou o processo prático de polinização artificial da planta, que permitiu que a ilha se tornasse o primeiro centro de produção de baunilha do planeta.

A história foi contada por Zenilton Gayoso, analista da Embrapa Cerrados e participante do projeto baunilha brasileira, para fazer uma conexão entre a história das calungas e a planta, que pode, a partir das diretrizes do curso, agregar valor à sua produção.

Da colheita à comercialização

Todo o caminho que a baunilha percorre desde a coleta dos grãos até o balcão da cozinha dos chefs é muito longo e complexo. A fava de baunilha precisa passar por um processamento cuidadoso para liberar seu aroma – é o que diz Bianchetti. A colheita deve ser feita quando o fruto estiver maduro, nove meses após a polinização das flores ou quando as pontas dos grãos começarem a ficar amareladas.

Depois disso, são muitas as etapas para obter uma baunilha de qualidade, com muito aroma, cor atraente e sem contaminação por fungos, em um processo chamado de cura. “A baunilha só libera seu aroma quando está bem madura. Na natureza, quando o grão está nessa fase de amadurecimento, ele se abre. Mas, para comercialização, a baunilha tem que ser fechada, senão perde rapidamente o aroma e não terá um bom valor de venda”, explica.

A gastróloga Cláudia Nasser explicou passo a passo todo o procedimento. Logo após a coleta, os grãos são higienizados em uma mistura com água sanitária. Depois, passam por um banho de água morna que acelera sua maturação e impede que se abram. Eles são então submetidos a um rápido processo de desidratação, quando são expostos ao sol por cerca de sete dias e armazenados em caixas de isopor durante a noite para se manterem aquecidos. Finalmente, a desidratação lenta é realizada em um local com sombra. “Essa fase precisa do ‘olho’ do produtor, que deve identificar quando a baunilha estará pronta para ser vendida. “O produtor deve interromper a desidratação quando os grãos estiverem maleáveis [podem ser enroladas no dedo sem quebrar]sem mofo, brilhante e com ranhuras longitudinais”, detalha.

Todo o processo pode levar de 45 a 60 dias. Cláudia detalhou as etapas uma a uma, mostrando a temperatura ideal para o banho, o tempo de exposição ao sol, entre outras informações necessárias para que o processo resulte em baunilhas de qualidade, com o melhor preço de venda, destinadas a restaurantes que desenvolvem uma culinária diferenciada .

Vai das Almas, também goiano, contou que já havia recebido algumas informações de um amigo sobre o processo de cura: fruta. ”. No entanto, ela ainda não tinha conseguido colocar essas ideias em prática. Agora, com as informações fornecidas pela gastróloga, a agricultora garante que seguirá as instruções: “Agora está bem claro, é uma coisa que nunca vai sair da minha cabeça”.

Preta, como Vanderli é conhecida em sua comunidade, apesar de ser novata na fabricação de produtos naturais (ela faz sabonetes e xampus com ingredientes locais), disse que se sentirá mais segura para comercializar suas baunilhas para compradores de outros estados, com a certeza de que será fornecer um produto de qualidade: “Pelo menos nas primeiras etapas do processo, até que saia um [fava de baunilha apresentada no curso], vou continuar, não vou desistir. Não tem jeito. Tirei fotos de tudo e vou realmente tentar.”

Claudia, por outro lado, considera que a troca de experiências proporcionada por esses encontros é tão importante quanto a transferência de conhecimento para o público do curso. “Não é uma via de mão única. Aprendemos muito com essas pessoas também, principalmente com os caluniadores. Eles têm a experiência, aquele know-how que é passado de geração em geração. Apesar de não terem muita tradição no uso da baunilha em sua cultura alimentar, convivem com as plantas há muitos anos e por isso se perpetuam ali até hoje”, enfatiza o gastrólogo.

Oportunidade para pequenos produtores

Aqui no Distrito Federal, em sua propriedade em Planaltina, Daniquele Andrade trabalha com sistema agroflorestal. Juntamente com o marido, ela produz legumes e frutas ao mesmo tempo. “Na verdade, é um mundo muito novo para mim. Esta oportunidade surgiu para aprender sobre baunilhas e como elas são cultivadas. E, pelo que estamos vendo, funciona muito bem com a forma como trabalhamos hoje no sistema agroflorestal. É algo que buscamos, uma forma de agregar valor à nossa produção com outro tipo de cultura”, afirma.

Bianchetti lembra que todas as informações sobre o cultivo e propagação das plantas e a cura das favas estão sendo organizadas agora, pois todo o conhecimento que temos até hoje sobre a baunilha se refere à espécie mexicana (Vanila planifolia), a mais cultivada no mundo. “Temos que adaptar esse conhecimento à baunilha brasileira. Já sabemos que as taxas de desidratação usadas no feijão mexicano não são adequadas para o feijão brasileiro. Os nossos precisam de mais umidade”, explica o pesquisador.

Isso também é verdade para os padrões comerciais predominantes. As características das favas comerciais são baseadas nas espécies mexicanas. “A fava de baunilha baiana [uma das espécies brasileiras] pode pesar até três vezes mais que o mexicano. A classificação que considera peso, teor de vanilina, teor de umidade e aroma não é adequada para nossa espécie”, informa Roberto Vieira, pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

Vieira destaca ainda que as baunilhas brasileiras, diferentemente das conhecidas atualmente no mercado, possuem aromas distintos, como se tivessem um “terroir” próprio. Para o pesquisador, essa característica deve agregar ainda mais valor ao produto nacional, pois serão ainda mais atrativos para o mercado gourmet.

Cozinha que valoriza os produtos locais

O último período do curso foi voltado para profissionais de gastronomia do Distrito Federal, principal consumidor da baunilha brasileira. Foram apresentadas informações sobre o cultivo da planta, as diferenças entre as espécies mais utilizadas na região e os cuidados que devem ser adotados na cura das favas para obter um produto de qualidade.

Duda Patriota, responsável pela cozinha do Pató, pequena cafeteria e confeitaria artesanal de Brasília, já utiliza ingredientes do Cerrado, além de frutas da estação. O objetivo é explorar esses sabores, induzir a produção local e reduzir o impacto ambiental. Para o chef, a capacitação foi importante para que eles também possam disseminar esse conhecimento. “Se soubermos a forma correta de curar a baunilha, como o produto deve ser manuseado, como deve chegar até nós, poderemos ajudar quem não tem esse conhecimento. Eu mesmo comprei baunilhas extremamente secas de um pequeno produtor que, acho, não tem esse conhecimento. Agora podemos orientar, melhorar o trabalho deles para que também sejam mais bem remunerados”, relata.

A gastronomia que valoriza os produtos locais também valoriza o equilíbrio de toda a cadeia produtiva. Durante o encontro, o tema sustentabilidade foi amplamente discutido, como lembra Luiza Torquato, nutricionista do restaurante Conca Cozinha Original, também em Brasília: “Mais do que popularizar um produto, minha principal preocupação, e que foi abordado aqui neste treinamento, é a questão dos sistemas alimentares saudáveis ​​e sustentáveis, e esse comércio que pensa a justiça social como um todo – pensando nas comunidades que são guardiãs da baunilha e como esse alimento chega idealmente, sem intermediários, até nós, como um produto de qualidade que chega as mesas do povo e é acessível a toda a população”.

Diego Badra, sócio de Luiza, também lembra a importância de valorizar a biodiversidade brasileira e proporcionar uma alimentação rica e saudável à população. “O mais importante é fazermos as pessoas entenderem que a baunilha existe, que é nossa, é daqui que é tão boa quanto as outras. Mas não temos só – temos cagaita, murici, babaçu, indaiá, tucupi, mandioca. Temos tudo isso e precisamos trazer esses produtos para a alimentação do brasileiro”, enfatiza a cozinheira.



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