A primeira boa notícia veio para a safra de sorgo. Uma simples modificação genética permite triplicar o número de grãos do sorgo, uma planta tolerante à seca que é uma importante fonte de alimento, ração animal e biocombustível em muitas partes do mundo. A descoberta dos cientistas Doreen Ware e Zhanguo Xin foi publicada na revista Nature (bitly.ws/thfh).
O estudo utilizou genótipos de sorgo de alto rendimento submetidos a uma mutação induzida por produtos químicos. Algumas das plantas modificadas apresentaram ganhos de produtividade. Na foto, a imagem à esquerda mostra uma variedade convencional de sorgo. Observa-se uma espiga terminal com várias espiguetas sésseis (redondas) contendo grãos, e algumas espiguetas pediceladas (setas brancas), representadas por compartimentos oblongos estreitos que não contêm grãos. Na variante modificada (direita) todas as espiguetas são sésseis e contêm grãos.
Como muitas culturas de cereais, os grãos de sorgo são produzidos em cachos de flores que se desenvolvem a partir de uma estrutura ramificada no topo da planta chamada panícula. Cada panícula pode produzir centenas de flores. Existem dois tipos de flores, e geralmente apenas uma delas, conhecida como espigueta séssil, é fértil. O outro tipo de flor, chamado espigueta pedicelada, não produz sementes. No entanto, nas plantas modificadas obtidas por mutagênese, tanto espiguetas sésseis quanto pediceladas produziram sementes, aumentando o número de grãos de cada planta.
Os cientistas queriam entender o motivo do aumento da produtividade. Para isso, eles realizaram o sequenciamento completo dos genomas de plantas de sorgo, tanto convencionais quanto modificados. Foi quando descobriram que a mutação afetava um gene que regula a produção de hormônios. As plantas que carregam a mutação produzem níveis anormalmente baixos de um hormônio regulador do desenvolvimento – chamado ácido jasmônico – particularmente durante o desenvolvimento da flor.
De posse dessas informações, os cientistas estudaram o efeito do ácido jasmônico, descobrindo que ele impede que espiguetas pediceladas produzam sementes. Simples assim: com teor normal de ácido jasmônico, há redução do número de flores férteis, produzindo menos grãos. Com uma redução de 50% no teor de ácido jasmônico, a planta produz grãos em cada uma das flores. Assim, basta modular a expressão do gene responsável pela produção do ácido jasmônico, durante a floração, para aumentar a produtividade do sorgo.
Agora que a equipe descobriu as mudanças biológicas que aumentam os rendimentos de grãos de sorgo, eles esperam aplicar a mesma estratégia para aumentar os rendimentos de grãos em arroz, soja, milho e trigo. O conhecimento ajudará a orientar tanto a reprodução clássica quanto as abordagens que aproveitam as tecnologias de edição de genoma.
E, finalmente, a torta de azeitona: algumas das plantas derivadas de mutantes de alto rendimento também demonstraram um aumento de 14-24% no teor de proteína do grão, o que melhora muito a qualidade nutricional do sorgo (bitly.ws/thmw).
Melhorar o pão de cada dia
Pesquisadores liderados pelo Dr. Jiao Yuling do Instituto de Genética e Biologia da Academia Chinesa de Ciências, juntamente com colaboradores da Universidade de Pequim, descobriram que a edição genética de um fator de transcrição (AP2/ERF – DUO1) melhora em pelo menos 10% a rendimento do trigo. Os resultados foram publicados na Nature Plants (bitly.ws/thnL).
O trigo é uma espécie endogâmica, com baixa diversidade genética e suas próprias restrições evolutivas. A espiga de trigo é composta por vários nós axiais, com uma espigueta na base de cada nó. O rendimento depende do número de grãos na espiga. O que, por sua vez, está correlacionado com o número de espiguetas. Portanto, a análise de genes-chave que afetam o número de espiguetas é de grande importância para melhorar a produtividade de grãos de trigo.
Os pesquisadores usaram linhas de espiguetas mutantes de Brachypodium distachyon como meio de investigar genes que regulam o número de espiguetas no trigo. Esta espécie da família Poaceae, prima distante do trigo, é amplamente utilizada como modelo para o estudo de cereais (bitly.ws/thoj). No estudo, foi identificado um mutante de inserção de T-DNA chamado bdduo1, que é responsável por gerar um maior número de espiguetas por espiga.
De posse das informações, os pesquisadores editaram o gene do trigo usando a tecnologia CRISPR/Cas9 (bitly.ws/thoE). Assim, foram obtidas plantas que, na parte média inferior das espigas, exibiam 2-3 espiguetas em cada nó da raque. Imagens de microscópio revelaram mais e maiores células nos primórdios de espiguetas basais do trigo mutante em comparação com o tipo selvagem, sugerindo que o gene regula a divisão celular. Como resultado, os genótipos de trigo mutantes, obtidos por edição gênica, apresentaram mais grãos por espiga em relação aos convencionais, aumentando o rendimento por unidade de área em mais de 10%.
avanços no arroz
Um grupo de cientistas liderados pelo Dr. Shaobo Wei (Instituto de Ciências Agrícolas, Academia Chinesa de Ciências) realizou uma análise comparativa de transcriptomas e metabolomas de folhas de milho e arroz (bitly.ws/thpC). O estudo revelou um conjunto de 118 fatores de transcrição que podem atuar como reguladores da fotossíntese vegetal, tanto C3 quanto C4, que, naturalmente, são mais eficientes do ponto de vista fotossintético que o C3.
Dos 118 fatores, a equipe selecionou 13 genes que foram ativados quando as plantas de arroz foram cultivadas em solo com baixo teor de nitrogênio. Destes, cinco permitiram que a planta absorvesse até 300% mais nitrogênio. No entanto, o principal mérito do grupo foi identificar um fator de transcrição que regula a fotossíntese no arroz. É um membro da família DREB (Dehydration Responsive Element Binding), chamada OsDREB1C. A importância da descoberta é que este fator tem sua expressão induzida pela alta intensidade luminosa e baixo teor de nitrogênio.
Os cientistas mostraram que o fator OsDREB1C desempenha um papel em vários processos de transcrição que determinam a capacidade fotossintética, a utilização de nitrogênio e carbono, o início e a duração da floração e do ciclo de uma planta. O gene apresenta propriedades esperadas de um regulador que pode modular simultaneamente a fotossíntese e a utilização de nitrogênio, especialmente em condições de baixo teor de nitrogênio.
Para ver o que aconteceria no campo, os cientistas inseriram uma cópia extra do gene OsDREB1C em uma variedade de arroz chamada Nipponbare. Para usar como comparador, eles também deletaram o gene em outras plantas de arroz da mesma variedade. No campo, as plantas sem o gene cresceram menos do que as plantas de controle, enquanto aquelas com cópias extras de OsDREB1C cresceram mais rápido e tinham raízes mais longas.
E o mais importante, os rendimentos de arroz com uma cópia extra do gene foram 41 a 68% maiores do que na sua ausência. Os testes foram realizados ao longo de três anos, em três localidades, com climas que variam de temperado a tropical. O aumento da produtividade deveu-se ao maior número de grãos por panícula, maior massa de grãos e melhor taxa de colheita.
Além disso, a duração do ciclo de semeadura-colheita foi menor, houve melhora na eficiência do uso de nitrogênio e outros recursos. As plantas que superexpressam o gene OsDREB1C-OE floresceram de 13 a 19 dias antes e acumularam maior biomassa na fase de enchimento de grãos. Em estudos preliminares com trigo, usando a mesma técnica, os aumentos de rendimento variaram de 17 a 22%.
ciência e desenvolvimento
A História Universal, e a de qualquer país individual, mostra que não há segredo para que uma sociedade se desenvolva e se enriqueça: são necessários investimentos substanciais e contínuos em Educação e Ciência. É o que está acontecendo, neste momento, com a China e a Coreia do Sul que, em menos de 50 anos de investimento nessas áreas, deixaram a pobreza estrutural para competir pela liderança global em desenvolvimento social e econômico.
Os estudos de sorgo foram financiados por fundos privados (Programa de Verificação de Sorgo dos EUA (bitly.ws/thpY) e a Fundação Nacional de Pesquisa da Coreia do Sul (nrf.re.kr/eng/main/). Os estudos de trigo e arroz foram financiados pelos chineses Academia de Ciências (bitly.ws/thqp) As descobertas renderão retornos de milhares de vezes o valor investido.
Eis o lema para o Brasil subir degraus no desenvolvimento social e econômico: investir em Educação, Ciência e Tecnologia, como fazem os países que almejam um futuro melhor para seus cidadãos. Cientistas tão bons e instruídos quanto os estrangeiros, o Brasil tem. Resta dar-lhes condições para expressarem o seu potencial de inovação, em benefício do nosso país.
Por Décio Luiz Gazzoni, Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa e membro do Conselho Científico Agro-Sustentável (CCAS)



