Os cientistas observaram que, durante o ciclo produtivo, o trigo absorveu dióxido de carbono, neutralizando as emissões dos períodos de pousio.
Uma pesquisa, realizada pela Embrapa Trigo (RS) e pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), comprovou que o trigo é capaz de sequestrar mais carbono do que emite na atmosfera. Os cientistas observaram que, durante o ciclo de produção, o trigo absorveu um total de 7.540 kg de dióxido de carbono (CO2) por hectare da atmosfera, neutralizando as emissões dos períodos de pousio (sem culturas de cobertura do solo ou culturas geradoras de renda sob a forma de forragem ou grãos produção), garantindo uma oferta líquida de 1.850 kg de CO2 por hectare. Os resultados deram origem ao artigo “Fluxo de CO2 na sucessão trigo/soja no Brasil subtropical: um sumidouro de carbono”que pode ser acessado aqui.
A pesquisa incluiu a instalação de uma torre de fluxo, em uma lavoura de grãos, em Carazinho, município da região norte do Rio Grande do Sul. Esse equipamento é utilizado pela UFSM para avaliar a emissão de gases de efeito estufa (GEE) desde a década de 1990. O objetivo foi avaliar as diferenças entre emissão e retenção de carbono (balanço) no sistema de produção trigo-soja, quantificando os fluxos de CO2 na lavoura comercial de grãos.
Utilizando o método Covariância de Vazões Turbulentas ou Eddy Covariância (EC), a torre de fluxo capturou informações capazes de identificar o balanço de carbono em cada etapa do sistema produtivo ao longo do ano. A pesquisa envolveu dez profissionais de diferentes segmentos, como agrônomos, físicos, matemáticos e profissionais de informática.
Segundo a professora Débora Roberti, do departamento de Física da UFSM, apesar do equipamento ter um alto custo de aquisição (que pode chegar a 180 mil dólares), ele permite uma resposta rápida aos fluxos de gás no sistema, gerando uma base sólida de dados em apenas um ano, enquanto outras técnicas de campo demandam longos períodos de tempo para uma resposta segura em relação ao balanço de carbono no meio ambiente.
“O método que utilizamos ajudou a estabelecer parâmetros para orientar o manejo mais eficiente das áreas agrícolas na retenção de carbono em prol de um sistema de produção de grãos mais sustentável”explica o pesquisador, lembrando que as informações geradas podem chegar ao produtor de forma prática, auxiliando na tomada de decisão: “Traduzimos uma série de algoritmos em uma linguagem simples, acessível ao produtor e assistência técnica, para que o conhecimento seja adotado em campo”ele adiciona.
Carbono: vilão nobre
O CO2 é essencial para as plantas realizarem a fotossíntese, processo que promove o crescimento da biomassa e a formação de frutos ou grãos. Na fotossíntese, a planta absorve carbono e libera oxigênio na atmosfera. Porém, durante o desenvolvimento, as plantas também liberam carbono, principalmente à noite, quando as plantas respiram mais e não há luz para realizar a fotossíntese.
Acresce ainda o processo de decomposição dos resíduos agrícolas que, embora dependente de vários fatores (ambientais, solos, gestão e composição), é responsável por uma quantidade significativa de CO2 emitido para a atmosfera. “A emissão e retenção de CO2 pelas plantas são muito variáveis, dependendo das condições ambientais e da atividade agrícola, mas o manejo do CO2 é fator primordial para a produção de alimentos”lembra o pesquisador Jorge Alberto de Gouvêa, da Embrapa.
Na atmosfera, o dióxido de carbono faz parte, junto com o metano e o óxido nitroso, dos gases causadores do efeito estufa, barreira que impede o resfriamento do planeta. No Brasil, a agropecuária é uma das principais fontes de gases de efeito estufa, com cerca de 27% das emissões do país, segundo levantamentos recentes do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa – SEEG.
De acordo com o SEEG, dentro das emissões agrícolas, a agricultura responde por quase todas as emissões de CO2. No entanto, as emissões de metano e óxido nitroso pelo gado têm um impacto maior no efeito estufa. Portanto, são convertidos em CO2 equivalente e ali, segundo o SEEG, respondem por 69,3% das emissões de carbono da agricultura e pecuária. Além disso, mudanças no uso da terra (desmatamento e queimadas) afetam os reservatórios naturais de carbono, contribuindo para o aumento das emissões e do efeito estufa.
A alternativa é investir em tecnologias capazes de melhorar o sequestro de carbono por meio de florestas plantadas e, principalmente, na atividade agrícola, onde sistemas intensivos de rotação de culturas podem ser implantados para esse fim. “É dentro desse objetivo que nossa pesquisa fez uma importante descoberta, pois, além de ter demonstrado que o trigo sequestra mais carbono da atmosfera do que emite, obtendo assim a nobre função de acumular carbono, também revelou o vilão da produção sistema, que é o pousio, uma prática agrícola que aumenta as emissões de carbono na atmosfera”diz o pesquisador da Embrapa Anderson Santi.
O produtor Paulo Vargas acompanhou de perto o experimento instalado em sua propriedade, a Fazenda Capão Grande, em Carazinho, RS. “O produtor sempre foi o mais interessado em preservar o meio ambiente, justamente porque depende dos recursos naturais para trabalhar. Mesmo assim, o agro é geralmente considerado um vilão, pois emite gases na atmosfera. Acredito que agora, com a apresentação das informações geradas pela pesquisa, essa imagem começa a mudar, mostrando o que, na prática, já sabíamos: a rotação de culturas e a cobertura permanente do solo trazem mais benefícios do que impactos ao meio ambiente”destaques.
Contexto do sistema
Depois do Centro-Oeste, a Região Sul é o segundo maior polo produtor de grãos do Brasil. Os três estados do Sul (PR, SC e RS) respondem por mais de 90% da produção de trigo e 30% da produção nacional de soja. Devido ao alto valor da soja no mercado, as lavouras de inverno nem sempre fazem parte do cenário agrícola, deixando muitas áreas em pousio durante os meses de outono e inverno.

Na Região Sul, segundo dados da Conab, existem atualmente mais de 15,2 milhões de hectares com culturas de verão (soja, milho 1ª safra e silagem, arroz e feijão), e apenas 5,8 milhões de hectares com culturas de inverno (trigo, milho 2ª safra , aveia, cevada, triticale, centeio e canola). Outros 3 milhões de hectares são sistemas de integração lavoura-pecuária (ILP), que contam com forragem cobrindo o solo no outono e inverno.
Com base nesses números, é possível estimar uma área de pousio de mais de 6 milhões de hectares nessa região, durante o inverno, quando não há culturas de cobertura ou de geração de renda na propriedade.
No ambiente subtropical do sul do Brasil, a falta de cobertura vegetal implica em impactos diretos sobre o solo, como degradação por erosão, compactação, redução da atividade microbiana e da fertilidade. Nos impactos indiretos do pousio, destaca-se a alta incidência de plantas daninhas, o que eleva os custos de produção. Agora, os resultados da pesquisa mostram também os impactos do pousio nas emissões de CO2 para a atmosfera.
Créditos de Carbono
O potencial impacto das pesquisas sobre a fixação de carbono no sistema de produção de grãos tem repercussões tanto na esfera ambiental quanto na econômica. O mercado de compra e venda de créditos de carbono ainda está sendo regulamentado no mundo, mas desde o Protocolo de Kyoto, assinado em 1997, a redução das emissões de gases de efeito estufa tem valor econômico. Assim, quem reduz suas emissões pode vender esses créditos de carbono para os países que mais emitem gases.
Desde 2009, o Brasil conta com a Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei nº 12.187/2009), que representa o compromisso do país com as Nações Unidas para a redução das emissões de GEE. Diversas empresas e instituições brasileiras já estão negociando créditos de carbono no mercado voluntário de carbono, mesmo sem uma base legal definida.
Segundo Santi, o Projeto de Lei 528/2021, que regula o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões, estabelece 1 crédito de carbono igual a 1 tonelada de CO2. O valor hipotético é estimado em 10 dólares por crédito de carbono, ressaltando que ainda não existe um mercado consolidado no país, apenas inferências sobre valores.
Pela proposta, os créditos de carbono devem estar vinculados a projetos de redução ou remoção de gases de efeito estufa da atmosfera, e essa redução (em toneladas) será convertida em títulos. Os títulos gerados serão objeto de negociação com governos, empresas ou pessoas físicas que tenham metas obrigatórias de redução de emissão de gases de efeito estufa. Tais negociações serão definidas por leis e/ou tratados internacionais.
“Para entrar no mercado internacional de créditos de carbono, precisamos primeiro de uma lei que regule esse mercado no país, para depois começarmos a quantificar o balanço de CO2 nos sistemas de produção agrícola das mais diversas regiões produtivas, com vistas à geração de créditos. Nesse contexto, a pesquisa assume papel fundamental para inserir o Brasil, de forma competitiva, no mercado de carbono”conclui o pesquisador.
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