As usinas sucroalcooleiras do Brasil estão privilegiando a produção de açúcar em detrimento do etanol e, apesar do aumento da produção brasileira, os preços da commodity tendem a se manter atrativos nos próximos meses e ao longo da próxima safra internacional (2023/24), que terá início em setembro. Isso porque, embora a oferta no maior player mundial do segmento tenda a se manter confortável, as projeções apontam para a possibilidade de déficit global.
“Há algum tempo observamos um descolamento entre os preços do açúcar e do etanol. O spread entre o açúcar VHP [very hight polarization]para exportação, e etanol hidratado [usado diretamente nos tanques dos veículos] chegou a mais de 10 centavos de dólar por libra e ainda está em torno de 7 centavos”, observa Plinio Nastari, presidente e CEO da Datagro Consultoria.
Açúcar x etanol
A conta, portanto, é favorável ao açúcar, e é em busca dessa maior rentabilidade que as usinas do Centro-Sul do Brasil têm buscado privilegiá-lo. Segundo dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), a produção de açúcar atingiu 9,53 milhões de toneladas desde o início desta safra 2023/24 na região, em abril, até o final da primeira quinzena de junho, 32,1% mais do que no mesmo período do ciclo 2022/23. A produção total de etanol (anidro e hidratado) cresceu 9,3%, para 7,67 bilhões de litros.
Para toda a safra 2023/24, que terminará em março do ano que vem, a Datagro projeta que a moagem total de cana-de-açúcar no Centro-Sul chegará a 606,5 milhões de toneladas, 10,6% a mais que em 2022/23, impulsionada pelos ganhos de produtividade proporcionados pelas condições favoráveis chuva. Se o fenômeno El Niño não provocar chuvas excessivas, a consultoria calcula que a produção de açúcar crescerá 15,9% na região, para 39,1 milhões de toneladas, e a de etanol totalizará 31,2 bilhões de litros, com aumento de 7,9%.
Déficit globalMesmo assim, prevê Nastari, a safra internacional 2022/23 (outubro do ano passado a setembro próximo) registrará déficit de 1,09 milhão de toneladas de açúcar, sendo que na safra seguinte (2023/24) a demanda deve superar a oferta em 2,05 milhões toneladas. Parte da safra internacional 2023/24 inclui a safra brasileira 2024/25, para a qual a Datagro estima produção de 39,5 milhões de toneladas de açúcar no Centro-Sul.
“A formação dos preços do açúcar no mercado mundial está relacionada ao preço de oportunidade do fornecedor marginal, que geralmente é o Brasil. Acontece que os compradores estão buscando outras oportunidades, e aparentemente estão hoje na Europa, já que a Índia só vai liberar cotas de exportação em outubro e a Tailândia vem reduzindo o cultivo da cana, porque a mandioca está pagando melhor”, diz Nastari.
europa avança
Com a alta dos preços nos últimos meses, a libra peso do açúcar para entrega em outubro está acima de 23 centavos de dólar na Bolsa de Nova York – 30% a mais do que há um ano – patamar que cobre confortavelmente os custos de produção da beterraba europeia açúcar, que são superiores aos da cana-de-açúcar. Por isso, segundo Nastari, a Europa também vai colaborar com o superávit previsto para a safra internacional 2023/24.
Ao mesmo tempo, lembra ele, os preços do etanol continuam caindo no Brasil, em função das mudanças tributárias e da política de preços da gasolina praticada pela Petrobras. “Após o último reajuste nas refinarias, os preços da gasolina no país passaram a apresentar uma defasagem de 9,2% em relação aos preços internacionais. Nesse contexto, o etanol hidratado perdeu competitividade em relação à gasolina nos postos”, diz Nastari.
Ele observa que o preço do hidratado, em açúcar equivalente, está em torno de 17 centavos de dólar por libra. Com o açúcar acima de 23 centavos, portanto, a maioria das usinas do Centro-Sul está com um mix de moagem de cana mais açucarado do que nas últimas safras.
Um bom exemplo dessa tendência é a São Martinho, uma das maiores empresas do segmento no país. Ao divulgar os resultados da safra 2022/23, a empresa projetou que o processamento de cana crescerá 7,4% neste ciclo 2023/24, para 21,5 milhões de toneladas. Na mesma comparação, a produção de açúcar deve aumentar 14,4%, para 1,4 milhão de toneladas, e a de etanol tende a ser 5,1% maior (944,9 mil metros cúbicos).