por Rafaella Barros
SÃO PAULO (Reuters) – As diretrizes do programa de governo do candidato à presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), prevêem a cobrança de taxa adicional de mineradoras que atuam em áreas de maior rentabilidade, o que seria uma oportunidade para o Estado arrecadar mais de um setor que, por meio de royalties, paga menos no Brasil do que em países como a Austrália.
Caso Lula vença as eleições e decida seguir as sugestões dos mineiros do PT, o valor adicional aos royalties já pagos pelas empresas poderá ser cobrado de áreas mineradoras como Carajás, no Pará.
Isso poderia afetar os lucros da Vale, que extrai de Carajás um dos minérios de maior teor de ferro do mundo e geralmente ganha um prêmio sobre o valor de mercado da commodity.
A implementação de tal cobrança, que enfrenta forte oposição do setor de mineração, chegou a ser discutida em uma reforma do setor que tramitou no Congresso Nacional durante o governo petista de Dilma Rousseff.
Mas pode comprometer os investimentos das mineradoras e favorecer os principais concorrentes do Brasil, como Austrália e Canadá, avaliam representantes do setor e especialistas ouvidos pela Reuters.
A ideia, que ainda está sendo estudada pelo PT, sem uma decisão final, seria implementar uma “participação especial” – além da atual CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais), também chamada de royalty – sobre minerais de maior valor, seja por características próprias ou pela demanda do mercado, segundo o geólogo Claudio Scliar, um dos integrantes do Setor Nacional de Energia e Recursos Minerais do PT, que elaborou o documento.
A contribuição, diz Scliar, seria de natureza semelhante à participação especial na exploração de petróleo e gás, que progressivamente incide sobre receitas de campos com grande volume de produção e entrou em vigor no Brasil em 1997.
Um ponto considerado muito importante é que, da mesma forma que acontece hoje para o petróleo, na mineração há um preço especial”, disse Scliar à Reuters.
Assim, no caso do minério de ferro, citado pelo geólogo como exemplo, haveria um novo valor a ser arrecadado pela União além da atual alíquota de 3,5% da CFEM que incide sobre as receitas das vendas no mercado interno e exportações.
“Há algumas jazidas minerais com teores excepcionais ou o mercado internacional quer muito (o mineral). Como o bem mineral pertence à União, então a União ganha com isso, com esse valor extra do minério, em certas situações de grande rentabilidade”, disse Scliar.
Outra mudança proposta pelo grupo setorial petista, que pode afetar as mineradoras, é a alteração da Lei Kandir, de 1997, que isenta do ICMS a exportação de bens naturais não renováveis pertencentes à União.
FORTE OPOSIÇÃO
O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que representa as mineradoras, é “totalmente contra” a proposta de aumento de custos para o setor, segundo o diretor de Relações Institucionais da entidade, Rinaldo Mancin, pois isso pode reduzir o interesse dos investidores.
“Criar uma participação especial na mineração afastará investimentos e deixará nossos concorrentes satisfeitos, principalmente os australianos”, disse Mancin, referindo-se ao maior produtor mundial de minério de ferro e principal fornecedor de países asiáticos.
Procurada, a Vale se recusou a comentar o assunto.
A Associação Brasileira das Empresas de Pesquisas Minerais e Mineração (ABPM) disse à Reuters, em comunicado, que a mineração tem características diferentes do setor petrolífero e que “uma cobrança adicional tirará sua competitividade”.
Tomás de Paula Pessoa, advogado especializado em direito mineiro e ex-diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM) faz avaliação semelhante, dizendo que a cobrança pode até inviabilizar as operações de certas mineradoras.
“Estamos a falar de um sector que olha para o mundo. Olha para a geologia global e procura estar em países que olham para a estabilidade regulatória, mas que olham também para a questão dos custos”, disse Pessoa.
A própria Austrália, principal concorrente do Brasil em minério de ferro, já tentou implementar uma ideia semelhante, mas sem sucesso, disse à Reuters o geólogo Iran Machado, professor aposentado do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“Uma das razões para o fracasso na Austrália é que no caso da mineração há uma flutuação muito forte nos preços, de modo que uma fase de ‘vaca gorda’ pode dar origem a uma fase de ‘vaca magra’. os mineradores afirmam que seria inviável instituir tal cobrança na mineração, enquanto para o petróleo, tradicionalmente uma indústria muito mais lucrativa, isso funcionou bem”, disse Machado.
A REVISÃO DO CFEM SERÁ ALTERNATIVA?
Se, por um lado, os especialistas se opõem a uma nova cobrança, por outro, admitem que uma revisão da CFEM seria uma alternativa plausível.
Para Iran Machado, a alíquota atual de 3,5% de royalties sobre o minério de ferro, por exemplo, é muito diferente dos cerca de 7% vigentes na Austrália.
“Como temos essa diferença entre 3,5% e 7% para a Austrália, acho que pelo menos teríamos que aumentar a taxa para 4,5% prevenir)”, disse Machado.
Para o advogado Tomás Pessoa, no entanto, não é possível comparar apenas as taxas de royalties entre os países produtores, pois existem outros tributos que incidem ao longo da cadeia produtiva, o que exigiria, portanto, a comparação entre os totais das cargas tributárias.
Faz mais sentido, diz ele, mudar a base de cálculo sobre as taxas de royalties, de forma mais justa para o governo e as mineradoras.
“Podemos, sim, pensar em um modelo disruptivo em relação ao que está em vigor. Nosso problema é que nosso CFEM é sobre faturamento, o que torna o custo ainda mais excessivo e provavelmente até repassado na venda. Em outros países, Os royalties incidem sobre o lucro. Seria uma forma mais equitativa de cobrar esse tipo de royalties”, disse Pessoa, acrescentando que, caso a mineradora apresente prejuízo, o governo poderia instituir uma cobrança mínima de indenização.
(Por Rafaella Barros)