A utilização de insumos regionais na produção de cervejas e alimentos é um caminho para a valorização gastronômica, cultural e econômica de diversas cadeias produtivas.
A cajucultura, por exemplo, vem ganhando destaque em espaços antes inexplorados, como opção no cardápio de bebidas alcoólicas para bares e restaurantes.
Thank you for reading this post, don't forget to subscribe!O exemplo mais recente vem da Cervejaria Turatti, de Fortaleza (CE), que lançou a Cajunela, cerveja estilo weiss que utiliza o caju como matéria-prima.
Alfredo Aghina, mestre cervejeiro da Turatti, está liderando o desenvolvimento de uma Weissbier de caju.
É um processo cervejeiro originário da Alemanha, no qual são utilizados malte de trigo, malte de cevada, lúpulo e levedura.
Apesar de serem feitas de trigo, as cervejas Weiss têm um sabor que se destaca desse ingrediente, pois podem ser adicionadas com sabores de maçã, banana, cravo e florais.
Além disso, uma característica marcante do produto é o tom claro e opaco, obtido por filtragem.
Alfredo lembra que a ideia de produzir o caju Weiss veio de uma degustação de cachaça e coquetel de especiarias realizada em um restaurante de Fortaleza: “Um dia experimentei uma bebida que tinha calda de especiarias, como canela, cravo e cachaça aqui do Ceará.
Eu disse que este xarope de especiarias iria muito bem com uma Weissbier.
Então focamos em uma fermentação para que ficasse com gosto de cravo e adicionamos canela e uma quantidade absurda de polpa de caju, para torná-lo o sabor principal, o protagonista”.
O cervejeiro destaca outro ponto que o levou a formular o caju Weiss: a boa qualidade do caju cearense.
“Há muito tempo queria usar caju na cerveja, desde que cheguei em Fortaleza.
Porque o caju daqui é completamente diferente do que chega no Rio de Janeiro.
O caju do Rio não tem nada a ver com o daqui, que é excelente, uma fruta completamente diferente.
Foi exatamente essa combinação de ter um caju mais fresco, mais saboroso, um excelente fornecedor de polpa e ter tomado essa bebida que me fez ter a ideia dessa cerveja”, comenta o mestre cervejeiro.
O papel da Embrapa na qualidade da matéria-prima
É nesse momento da história que surgem os clones da Embrapa Agroindústria Tropical.
Fornecer insumos de qualidade é um fator importante para agregar valor ao cultivo do caju.
Pensando nisso, a Unidade trabalha no desenvolvimento de clones de caju que ofereçam ao mercado consumidor frutos mais resistentes a pragas e doenças, além de características sensoriais e visuais como tamanho, acidez, doçura e suculência do pedúnculo.
O CCP 76, principal referência do clone quando se trata de cajus de mesa, é resultado direto dessa demanda do mercado por produtos de alta qualidade.
Segundo Francisco Moura, presidente da empresa Pulpa Coração de Mãe, parte da matéria-prima utilizada em sua produção vem de produtores locais do município de Horizonte, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).
O empresário diz que a localidade é muito suscetível ao aparecimento de fungos e destaca a atuação da Embrapa no fornecimento de mudas de cajueiro anão mais resistentes a essas doenças: “Alguns produtores locais ainda têm cajueiros velhos, mas já começaram a produzir cajueiro anão.
Nossa região tem muito fungo, e esses cajueiros mais novos também são mais resistentes, até pelo trabalho que a Embrapa faz para melhorar geneticamente as variedades, tornando-as mais resistentes a pragas e doenças”.
Francisco Moura explica que em sua plantação de 15 hectares, cerca de 95% é composta pelo clone CCP 76, desenvolvido pela Embrapa Agroindústria Tropical.
O clone é uma das variedades mais cultivadas nas regiões produtoras do Nordeste.
É também a mais utilizada na fabricação de doces e castanhas de caju, oferecendo polpa de qualidade para processamento de suco.
De acordo com Genésio Vasconcelos, chefe de TT da Embrapa Agroindústria Tropical, o papel da Embrapa Agroindústria Tropical, nesse sentido, é sempre atuar com vistas à geração de resultados e benefícios em toda a cadeia agropecuária do caju, desde as tecnologias de produção do campo até as tecnologias de processamento.
“A tecnologia do caju anão é um ótimo exemplo disso.
Para o produtor rural, o cajueiro anão permite práticas culturais mais eficientes, com redução do uso de insumos e do custo total de produção, aumento da produtividade, além de uma colheita mais duradoura, quando comparado ao cajueiro”, comenta .
No entanto, acrescenta Vasconcelos, os benefícios vão além e atingem o consumidor que tem acesso a um produto mais versátil, com características de cor, aroma e sabor que potencializam sua utilização em diversos produtos que vão além do suco tradicional.
Essas possibilidades agregam valor às matérias-primas e novos alimentos, em uma relação de ganhos que impacta toda a cadeia produtiva, em graus variados.
O caju e sua versatilidade
O leque de possibilidades de uso do caju é amplo: doces, sucos de polpa congelados, castanha de caju e proteínas vegetais, como croquetes e hambúrgueres com fibra de caju.
Na área de produtos alcoólicos, a fruta ganha cada vez mais espaço. Maurício Flair, barman e diretor do Instituto Caju Brasil, desenvolve desde 2009 bebidas que utilizam o caju e seus derivados na formulação de bebidas.
“O mel de caju é um substituto extremamente eficiente do açúcar tradicional. Um coquetel que reproduzo muito na minha formação é a Melosca, que é basicamente cachaça, suco de limão e mel de caju.
Atualmente estou desenvolvendo pesquisas para fazer vermute a partir do vinho de caju”, explica.
Segundo Flair, o que despertou seu interesse pelo caju foi a ausência de insumos regionais nos produtos coquetéis.
“Por conta de alguns projetos que desenvolvi viajando pelo Sebrae e instituições como a Associação dos Chefs de Cozinha do Ceará, comecei a perceber que havia um vácuo no uso de insumos locais como um todo, seja caju, café orgânico do Maciço de Baturité ou o reaproveitamento de algas marinhas de Icapuí e Flexeiras”, comenta.
O barman também destaca o peso cultural dos insumos regionais, bem como suas aplicações em bebidas criadas por povos indígenas localizados no Ceará.
“Do ponto de vista cultural, temos tribos e grupos indígenas originários aqui do estado do Ceará que fazem, por exemplo, o Mocororó, fermentado a partir do caju azedo, muito presente em algumas comunidades”.
Aceitação pública da cerveja de caju
As bebidas alcoólicas com frutas regionais atraíram positivamente o público. É o que afirmam Maurício Flair e Alfredo Aghina.
Ao falar sobre a aceitação de produtos alcoólicos com caju, o bartender ressalta a importância de educar os clientes durante todo o processo de introdução dessas bebidas, pois elas possuem um sabor muito específico ao qual o sabor do caju não é considerado peculiar.
O barman também destaca o nível de aceitação das bebidas dentro e fora do estado: “Fora do estado, a aceitação é muito maior do que dentro do Ceará.
Embora tenhamos a cultura do caju, não há muitos insumos no cotidiano dos bares e restaurantes.
Mas, lá fora, em São Paulo e em outras localidades, a aceitação de bebidas e derivados de caju é enorme.
Eles têm uma boa aceitação porque é visto como algo diferente, exótico”, explica.
Alfredo Aghina também trabalha com outras frutas regionais, como a seriguela.
O cervejeiro conta como o público reage aos produtos: “É sempre uma experiência bacana.
Em muitas rodas de conversa, eles vêm até mim e falam ‘quando vai sair o da seriguela? E o da Tangerina?’”.
Por fim, o mestre cervejeiro ressalta a importância de trabalhar com cervejas frescas quando são feitas de frutas frescas, estabelecendo assim uma sazonalidade no processo de fabricação desses produtos.