por Roberto Samora

SÃO PAULO (Reuters) – Indígenas da etnia Haliti-Paresi, que iniciaram atividades de cultivo comercial com soja em Mato Grosso há cerca de duas décadas e hoje trabalham em cooperativa e com modernas colheitadeiras, conseguiram seu primeiro financiamento em dinheiro na safra 2022/2022/ 23 anos, disseram os envolvidos à Reuters.

O movimento cooperativo Coopiparesi está alinhado com parte das ideias defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro, de que os indígenas devem ter o direito de explorar comercialmente suas terras. Organizações que reúnem povos tradicionais e ativistas, no entanto, alertam que a história de sucesso celebrada pela comunidade não pode ser usada para impor modelos únicos de desenvolvimento que acabam por afetar os direitos indígenas à terra e ao meio ambiente.

Estabelecidos na importante região produtora de soja, milho e algodão em Campo Novo do Parecis, noroeste do principal estado agrícola do Brasil, os indígenas trabalham em áreas dominadas por grandes plantações. E afirmam que, desde o início, em 2003, não havia muitas opções a não ser avançar na agricultura com modelos comerciais.

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Hoje estão satisfeitos com os resultados, pois todos os lucros são repartidos e reinvestidos na comunidade Coopiparesi, formada por mais de dez aldeias e aproximadamente 300 membros.

Atualmente, os membros da Coopiparesi e outras três cooperativas indígenas que plantam em áreas próximas aos municípios de Campo Novo do Parecis e Sapezal (MT) – com cerca de 4.000 pessoas, incluindo etnias como Nambikwara e Manoki – só conseguem realizar atividades comerciais agricultura. legalmente após a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em 2019 com o Ministério Público Federal, o órgão ambiental Ibama e a Fundação Nacional do Índio (Funai).

“O posicionamento do atual governo federal foi de fundamental importância para obter a abertura para poder regularizar esse processo, o governo anterior tinha uma posição muito conservadora sobre a experiência no Parecis, então o processo avançou”, disse Genilson Kezomae, CFO da Coopiparesi, por telefone.

Segundo ele, perante a comunidade “não conseguiu audiências no Ministério da Justiça, Agricultura e Meio Ambiente”.

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“No caso do atual governo, conseguimos conversar com todas as instâncias”, disse Kezomae, lembrando que a comunidade está “otimista” quanto à obtenção de licenças para a regularização definitiva da atividade até o final do próximo ano, quando o TAC expira.

Segundo ele, a soja cultivada na região indígena pelas cooperativas, limitada pelo TAC a cerca de 20 mil hectares, ou pouco mais de 1,5% da reserva de 1,3 milhão de hectares, é “legal” em função do acordo firmado com as autoridades . Mas as comunidades buscam autorizações definitivas para dar voos mais altos, eventualmente ganhando prêmios pelo grão em relação ao valor de mercado, devido ao fato de a produção ocorrer em áreas indígenas e não ser transgênica.

Antes do pacto com as autoridades, as comunidades locais haviam sido multadas em milhões de reais pelas autoridades pelo plantio irregular de transgênicos na área da reserva e por parcerias com produtores não indígenas.

O TAC prevê uma série de condições para a formalização da produção, lembrou o diretor de operações da Creditares, Daniel Latorraca, sócio fundador da fintech especializada no segmento de crédito agrícola, que trabalhou para obter financiamento para a Coopiparesi junto ao Sicredi Sudoeste MT/PA.

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“Por exemplo, eles só plantam soja convencional, tem uma parte da produção que é para subsistência da comunidade, todas as pessoas são indígenas, é um caso único no país, é o primeiro caso (de financiamento) , e esperamos que sirva de exemplo”, disse Latorraca, cuja fintech busca, no futuro, estruturar operações financeiras mais sofisticadas, como o primeiro Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) “indígena sustentável” do Brasil.

Os envolvidos no financiamento não divulgaram os valores ou taxas da operação, mas trata-se de um empréstimo semelhante ao feito a uma cooperativa com recursos repassados ​​pelo governo Plano Safra a instituições financeiras. O próprio TAC prevê que o dinheiro terá o “carimbo” oficial.

ALAVANCA DE NEGÓCIOS

“O financiamento era o último passo que faltava para a cooperativa, que precisa do recurso para ter produção”, destacou Latorraca, explicando que antes a Coopiparesi era financiada apenas via “escambo”, operações de troca de insumos agrícolas por produtos colhidos. Esse sistema é comum no Brasil, mas como a cooperativa só funcionava dessa forma – diferentemente de outros produtores, que contam com outras formas de financiamento –, seus ganhos eram limitados.

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Agora, os integrantes da Coopiparesi, que atua em 3,5 mil hectares dos 20 mil utilizados pelos indígenas na área, esperam alavancar seus ganhos, pois o financiamento para a safra 2022/23, cujo plantio começa neste mês, dará maior flexibilidade. sobre a operação.

Na última safra, disse o diretor-presidente da Coopiparesi, Lucio Ozanaezokaese, a cooperativa colheu 183 mil sacas de 60 kg de soja, obtendo lucros equivalentes a 5 a 6 sacas por hectare, ou cerca de 10% da produção colhida em um hectare, excluindo gastos e investimentos .

Com a flexibilidade proporcionada pelo financiamento, Ozanaezokase estima que esse ganho pode aumentar em 3 a 4 sacas por hectare. “Com os recursos, deixamos de fazer a venda antecipada via ‘troca’. A rentabilidade vai aumentar, porque deixamos de captar recursos de forma mais cara”, comentou.

Ele acrescentou que a cooperativa também faz uma segunda safra de milho, incluindo a variedade para pipoca e feijão, com máquinas modernas, com sinais digitais, computador de bordo e piloto automático para atividades agrícolas. A cooperativa também tem investido cada vez mais em pesticidas biológicos para reduzir o uso de pesticidas químicos.

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“Por ser terra indígena, talvez a gente possa trabalhar um selo, é uma soja convencional (não transgênica), usamos insumos biológicos… a gente pode trabalhar com isso, uma soja diferenciada, acredito que ganharia mercado no futuro”, disse. , explicando que tais avanços podem até mesmo romper barreiras que existem atualmente nas exportações, devido aos temores sobre a reação dos consumidores em países como a França, que adota uma postura crítica ao plantio em áreas sensíveis.

Mas há pontos positivos: todos os ganhos vão para a comunidade indígena de forma igualitária, disse o presidente da cooperativa. Chama-se “transferência social”, per capita, independentemente da idade ou posição na comunidade. “O valor repassado é o mesmo”, disse, independentemente de ser chefe ou não.

Na safra passada, esse repasse ficou em torno de 7 mil reais per capita, e ainda sobrou dinheiro para investimentos na comunidade, maquinário ou outras atividades com criações ou cultivos como tubérculos para consumo nas aldeias, disse Ozanaezokase.

Segundo ele, a multa por atividade irregular já foi paga e é coisa do passado, com a cooperativa garantindo um horizonte melhor. Os indígenas desta região de Mato Grosso assinaram o TAC de forma pioneira, e há etnias em outros estados, como Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que buscam um caminho semelhante.

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RESPEITO À DIVERSIDADE

Mas a exploração comercial das terras indígenas não é unânime, mesmo entre muitas lideranças. Alguns defendem o direito de cada povo decidir o que é melhor para sua comunidade, mas rejeitam imposições de modelos únicos, considerando que os povos tradicionais são diversos, vivendo em diferentes biomas do país, tendo sido afetados de diversas formas pelo contato com colonizadores brancos . .

O governo Bolsonaro enviou ao Congresso um projeto de lei para regular a exploração comercial de terras indígenas, inclusive para mineração, e a questão está paralisada no Congresso. Um dos pontos mais polêmicos do texto é que ele prevê que o presidente pode buscar autorização dos legisladores para instalar atividades econômicas em territórios indígenas mesmo que as comunidades relacionadas sejam contra.

O uso comercial da terra indígena por alguns é uma escolha que deve ser respeitada, mas não pode ser tratada como única opção nem ser um modelo imposto pelos governos, disse a liderança indígena de Mato Grosso, Eliane Xunakalo, candidata a deputada estadual pela PT.

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Para ela, existem outras alternativas e esse agronegócio indígena não deve ser visto como a solução para todos os problemas dos povos tradicionais, que são diversos e têm necessidades muito peculiares, dependendo da região.

No Xingu, nordeste de Mato Grosso, a visão sobre o uso da terra é diferente, citou Xunakalo, dizendo o mesmo dos povos indígenas do Médio Araguaia. “Somos extrativistas, praticamos agricultura familiar, trabalhamos com mel, trabalhamos com cadeias de valor que precisam de vontade política para que isso aconteça”, disse ela, que não admite que os direitos sejam usados ​​como moeda de troca.

“Não podemos deixar que governos ou partidos usem isso para negociar direitos, principalmente direitos sobre territórios, território para nós é dignidade humana”, disse Xunakalo, lembrando que os povos indígenas da região dos Parecis vêm agindo assim há muitos anos, embora agora se tornaram a ferramenta de “marketing” de Bolsonaro.



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