A agricultura familiar é um dos setores mais vulneráveis às mudanças climáticas, devido aos eventos extremos a ela relacionados, além da falta de financiamento, deterioração da saúde do solo e altos custos de produção; no entanto, na América Latina e no Caribe, esse grupo faz contribuições importantes para a resiliência, adaptação e mitigação, que muitas vezes não são visíveis.
É o que indica o documento “O Acordo de Paris e o setor agrícola: um olhar sobre a implementação das NDCs na América Latina”, elaborado pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), com financiamento do Fundo Internacional para a Agricultura Desenvolvimento (FIDA).
A análise expõe o estado de implementação das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) no setor agropecuário do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guatemala, Honduras, México e República Dominicana, instituídas para operacionalizar o Acordo de Paris, nos termos da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC).
Este ano, o setor agrícola e suas contribuições para a mitigação e sustentabilidade das mudanças climáticas serão um grande foco de atenção na Conferência das Partes da UNFCCC (COP27), dados os desafios que a crise climática apresenta e as oportunidades que o setor oferece para incorporar ciência, inovação e tecnologia nas formas de produção de alimentos, tema fundamental para garantir a segurança alimentar e nutricional do planeta.
A caminho da COP27, prevista para novembro de 2022, no Egito, o IICA facilitará um processo de consenso entre os ministros e secretários da Agricultura das Américas, para que o setor possa trazer uma voz unificada a este fórum climático. Essas autoridades participarão de uma reunião agendada para os dias 22 e 23 de setembro, em San José, Costa Rica.
Desafios da agricultura familiar na luta pelo clima
O documento elaborado pelo FIDA e pelo IICA destaca avanços importantes na implementação dos compromissos assumidos pelos países mencionados para enfrentar a mudança do clima em nível setorial, melhor priorização de ações e maior participação dos atores do setor agropecuário nesse objetivo, mas também lacunas no divulgação dos planos de ação, na inovação, no financiamento e no registro das contribuições da agricultura familiar às NDCs.
“As boas práticas que estão sendo desenvolvidas nos países devem ser articuladas em rede para que possamos começar a quantificá-las. Sem dados, não teremos o apoio necessário para que as contribuições da agricultura familiar sejam reconhecidas”, disse Miguel Altamirano, coordenador do projeto INOVA-AF, executado pelo IICA e financiado pelo FIDA.
De acordo com o relatório, são necessários financiamento, capacitação, melhor coleta de dados para tomada de decisões e vinculação aos mercados para incentivar uma maior produção resiliente ao clima.
O relatório é baseado em entrevistas com mais de 70 autoridades agrícolas e ambientais e especialistas públicos e privados dos países mencionados. Revela a potencial contribuição da agricultura familiar para o alcance das metas do Acordo de Paris.
“A contribuição dos pequenos agricultores ainda precisa ganhar visibilidade dentro da NDC para que esse esforço seja contabilizado e recompensado, isso é muito importante quando pensamos na arquitetura de financiamento internacional para o desenvolvimento rural e adaptação às mudanças climáticas, principalmente em pesquisa , desenvolvimento e inovação da agricultura familiar”, mencionou Frederico Lacerda, Analista de Operações e Projetos do FIDA no Brasil.
De acordo com a gerente do Programa de Ação Climática e Sustentabilidade Agrícola do IICA, Kelly Witkowski, “a agricultura é um setor único em seu potencial para promover sinergias entre adaptação e redução de emissões e requer maiores recursos técnicos e financeiros para aumentar e alavancar seu potencial. contribuição para a resposta às mudanças climáticas”.
“Não há dúvida de que os efeitos das mudanças climáticas colocam uma pressão adicional sobre a agricultura de pequeno e médio porte e recursos críticos como a água. Em nossa região, existem cerca de 21 milhões de pequenos e médios produtores que não podem ficar de fora”, disse Mario León, Gerente do Programa de Desenvolvimento Territorial e Agricultura Familiar do Instituto.
Os países incluídos no estudo possuem, em maior ou menor grau, estruturas legais e arranjos institucionais para desenvolver as capacidades de seu setor agrícola e participar da agenda climática e dos processos de implementação das NDCs; no entanto, apesar das grandes contribuições do setor para o alcance das metas e prioridades, observa-se que seu progresso continua defasado em comparação com outros setores mais expostos à agenda climática, como meio ambiente e energia.
Para Verónica Bunge, Diretora de Atenção às Mudanças Climáticas em Áreas Prioritárias da Secretaria de Agricultura e Desenvolvimento Rural (SADER) do México, “é necessário reconhecer a heterogeneidade dos sistemas de produção e buscar a coexistência de todos esses sistemas. Embora a agricultura familiar seja fundamental, há também a agricultura industrial, e devemos ver como ela agrega aos processos de sustentabilidade no território. É essencial promover a ação coletiva”.
“A principal lição aprendida com o processo NDC na Colômbia é que devemos priorizar a adaptação em nossos países. Nossos agricultores estão cada vez mais vulneráveis, os pequenos não têm muita capacidade de recursos ou tecnologia para se adaptar. Devemos trabalhar muito de perto com eles em estratégias específicas e promover as sementes tradicionais das comunidades, porque em termos de mudança climática são muito resilientes”, expressou Nelson Lozano, Coordenador Florestal do Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural da Colômbia.
“Se queremos aumentar a nossa ambição no NDC, o fundamental é priorizar as medidas de acordo com as condições nacionais e territoriais”, enfatizou Tatiana Paredes, Diretora de Riscos e Garantia Agrícola da Secretaria de Redes de Inovação Agropecuária do Ministério da Agricultura da Equador. .