Os autores são pesquisadores da Embrapa. DL Gazzoni é membro do Conselho Consultivo Agro-Sustentável
Ao olhar para o futuro, a primeira visão que vem à mente é que não basta produzir, será preciso fazê-lo com sustentabilidade. E esta é a primeira tendência, considerada transversal às demais, contida no documento “Visão de futuro da agricultura brasileira”, elaborado por uma equipe de centenas de técnicos da Embrapa, com o objetivo de nortear suas ações nos próximos anos. Serve também como fonte de reflexão para todos os participantes dos diferentes elos das cadeias de valor do agronegócio, para que ninguém seja seduzido pela sua zona de conforto e, sim, motivado a trilhar os caminhos que mantêm a força e competitividade do agronegócio nacional .
Desenvolvimento sustentável, na definição adotada na Rio-92, é o desenvolvimento que atende às necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem às suas próprias necessidades. Do ponto de vista agro, significa produzir com menor emissão de gases de efeito estufa (GEE), economizar água, manejar adequadamente a fertilidade do solo, utilizar insumos de forma tecnicamente recomendada, ampliar o uso de bioinsumos, evitar desperdícios e perdas e pagar atenção à condição social no campo, com emprego e renda decentes.
A sustentabilidade é uma imposição da sociedade global, que servirá de referência para a ocupação de mercados. Isso exigirá demonstrações inequívocas, como o processo de rastreamento de produtos agrícolas, descrevendo as tecnologias e condições presentes ao longo de seu ciclo de vida. Temas como bioeconomia e bem-estar animal se tornarão importantes vetores da produção agrícola. Que deve se harmonizar com o meio ambiente, o que implica na valorização e pagamento de serviços ambientais aos produtores, uma questão de equidade no compartilhamento de custos que gerará benefícios para todos.
Mudanças climáticas
A multiplicidade e intensidade de eventos climáticos extremos ocorridos em 2021, nos envia o sinal óbvio de que as previsões dos modelos matemáticos utilizados pelos cientistas transbordaram de artigos científicos e passaram para o dia a dia do produtor rural. A agricultura é fortemente impactada pelas mudanças climáticas. Que, ao mesmo tempo, também é chamado a fazer parte da solução. Produzir com as menores emissões de GEE por unidade de produto agrícola, a cada nova safra, é o grande desafio que temos pela frente.
O Brasil já conta com políticas públicas de sucesso, como o Plano ABC e o Programa de Bioinsumos. Mas, há muito mais para incorporar. Por exemplo, estudos da Embrapa mostram que é possível aumentar a produtividade agrícola com o uso de polinizadores, sem ampliar o uso de terras, insumos ou maquinários. Ou seja, produzir mais, com os mesmos recursos e insumos. No caso da soja, a cultura mais importante, sua integração com a apicultura pode significar um aumento de até 18% na produtividade. Isso permitiria reduzir a área necessária para obter a mesma produção em mais de 7 milhões de hectares. É um ganha-ganha com sustentabilidade.
Digitalização e automação
Há apenas 50 anos, tudo o que se exigia de um trabalhador rural era operar poço de enxada, facão ou foice. As colheitadeiras modernas têm mais eletrônicos a bordo do que muitos aviões bimotores. Seus operadores precisam de conhecimento técnico e aprimoramento constante. O agro se torna progressivamente digital, tanto na gestão quanto nas operações técnicas. A maioria dos controles se torna digital, geralmente remoto. Isso exige um novo perfil no campo, com treinamento e assistência técnica permanentes. E investimentos na universalização da energia e na conectividade das propriedades rurais.
As margens do agronegócio são cada vez menores, com ganhos de produtividade e exigências de competitividade. Portanto, além da escala, é necessário um ajuste fino dos métodos de gestão e produção. Isso aumenta a responsabilidade dos órgãos formadores, como o Senar, e das associações, como as cooperativas, que enfrentam o desafio de inserir os pequenos e médios produtores no contexto do complexo agroindustrial moderno e cada vez mais digital.
Tecnologia e valor agregado
Cada vez menos cidadãos vivem e trabalham em propriedades rurais. Menos mão de obra exige intensificação tecnológica, mais automação e mecanização, ganhos de escala de produção e avanços tecnológicos. As inovações fluem dos laboratórios de pesquisa, o que facilita a vida do agricultor. Também estão surgindo novas tecnologias que aumentam a salubridade dos alimentos, inclusive melhorando suas propriedades nutricionais e reduzindo o risco de certas doenças, beneficiando todos os cidadãos.
Novos desafios exigirão novas tecnologias. Por exemplo, o enfrentamento das mudanças climáticas, com secas mais intensas e prolongadas, exigirá novas variedades que mantenham a capacidade produtiva, mesmo em condições de estresse hídrico. A pressão pela sustentabilidade exigirá sistemas de produção que aumentem continuamente a produtividade agrícola, com menor demanda de insumos por unidade produzida.
O desenvolvimento tecnológico exigirá cada vez mais a integração de profissionais com formação e competências diversificadas. Os institutos de pesquisa estarão em demanda com intensidade cada vez maior, para antecipar problemas e entregar soluções inovadoras, com mudanças de paradigmas, para sempre atender às demandas dos consumidores. Isso impõe aos governos e ao setor privado investimentos elevados e contínuos na quantidade e qualidade dos cientistas, além de equipamentos e condições de trabalho à altura dos desafios.
O aumento da renda per capita, o acesso à informação e à comunicação levam ao aumento da demanda por alimentos específicos, como as proteínas animais. Em contrapartida, surgem novos hábitos como o veganismo ou o flexitarianismo, e todos eles precisam ser cuidados. As cadeias de valor precisam se adaptar rapidamente para atender às novas tendências, sejam elas nichos ou macromercados. A incorporação de valor antes da exportação é um dos principais desafios a serem resolvidos no futuro imediato, para garantir a solidez do nosso agronegócio.
governança
A sigla ESG, copiada do inglês Environmental, Social and Governance, significa atenção aos aspectos ambientais, sociais e de governança de uma empresa. É um conceito introduzido recentemente, mas que sintetiza algo que veio para ficar, sinônimo de sustentabilidade. As demandas por proteção ambiental, interfaces sociais (do trabalhador rural ao consumidor) e uma gestão correta e transparente serão permanentes e fator de competitividade.
A atenção aos critérios ESG inclui a gestão de riscos, desde aqueles que afetam a produção na fazenda, como aqueles que percolam a cadeia de valor, até o consumidor. Isso inclui atenção aos sistemas de produção, atendimento às recomendações técnicas, conexão permanente com o mercado e capacidade de introjetar desejos e preocupações do consumidor ao longo da cadeia de valor, bem como a imposição de certificação (setor privado) e normas legais. (governos) ou acordos (organizações internacionais).
agropen
Agropensa é o foco de inteligência estratégica da Embrapa. Trata-se de uma iniciativa que visa produzir e disseminar conhecimento que sustente a formulação de estratégias para o agronegócio, beneficiando não apenas a Embrapa, mas outras instituições que atuam no setor. Os interessados no tema podem acessar https://www.embrapa.br/agropensa, e quem quiser se aprofundar na visão de futuro da agricultura brasileira pode acessar https://www.embrapa.br/visao-de-futuro.