Por Letícia Fucuchima
SÃO PAULO (Reuters) – O Ministério de Minas e Energia publicou nesta quarta-feira portaria permitindo que todos os consumidores ligados em alta tensão ingressem no mercado livre de energia elétrica a partir de 2024, no que seria o maior avanço desde 1995 para a liberalização de um mercado hoje restrito. principalmente para grandes e médias empresas.
Com a medida, vista com cautela pelas distribuidoras que provavelmente perderão clientes, cerca de 106 mil novas unidades consumidoras poderão entrar no mercado chamado “ACL”.
Nesse ambiente de contratação livre, em que os consumidores negociam preços e condições de compra de energia com um fornecedor, podem obter economia de até 40% sobre os valores praticados no mercado cativo, atendido pelas distribuidoras.
Esse grupo de consumidores beneficiados, que poderá migrar a partir de 1º de janeiro de 2024, é composto principalmente por empresas com contas mensais de energia superiores a 10 mil reais, segundo a Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel).
Em nota, a entidade comemorou a medida, classificando-a como a maior abertura de mercado promovida desde 1995, quando a Lei 9.074 deu os primeiros passos para a criação do ACL.
Segundo dados da Abraceel, o mercado livre de energia atende hoje quase 30 mil consumidores, o que equivale a 0,03% dos quase 89 milhões de consumidores do Brasil. São basicamente grandes empresas, que demandam grandes volumes de energia elétrica – por isso o ACL responde por 38% do consumo nacional de energia elétrica.
A Abraceel calcula que, se todos os 106 mil consumidores decidirem migrar, o mercado livre poderá atingir 48% do consumo de energia no Brasil nos próximos anos.
O presidente da entidade, Rodrigo Ferreira, diz que a portaria desta quarta-feira confirma as expectativas criadas com a proposta que foi colocada em consulta pública em julho deste ano.
“É o passo mais ousado até agora para a urgente reforma estrutural do setor energético, que coloca o consumidor como protagonista, livre para decidir os seus próprios caminhos e apto a beneficiar de uma energia mais barata e competitiva”, afirmou, em nota.
“VAREJO” ELÉTRICO
A medida desta quarta-feira tende a impulsionar o “varejo” do setor elétrico, segmento que engloba pequenos consumidores, como estabelecimentos comerciais ou de serviços, e que vem ganhando atenção de grandes comerciantes e empresas do setor elétrico.
De acordo com a portaria do governo, os consumidores ligados em alta tensão com carga individual inferior a 500 quilowatts (kW) devem ser representados na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) por um “agente de varejo”, geralmente um comercializador, especializado neste tipo de consumidor.
O número de varejistas vem crescendo no país. Ao final de 2021, a CCEE contava com 38 comercializadoras dessa modalidade, pertencentes a grupos como Engie, AES e estatais Cemig e Copel.
O cenário para o desenvolvimento do marketing de varejo é positivo nos próximos anos, embora esse segmento exija algumas adaptações por parte das empresas, como investimentos na digitalização de suas plataformas de venda de energia e maior atenção às avaliações de crédito, disse Marcio Sant’Anna, sócio-gerente da trading Ecom Energia.
“O modelo do varejista é diferente, com contratos de longo prazo… Esse mercado vai ter uma característica diferente, sempre faço a analogia de que o varejista é um distribuidor wireless”, disse Sant’Anna.
A Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace) disse que vê a decisão de abrir o mercado à alta tensão como “meritória”, mas alertou para cautela na regulação, principalmente no quesito varejistas.
“Esse processo não pode criar uma reserva de mercado para a atuação dos varejistas. Caso contrário, de pouco adiantaria abrir o mercado e obrigar, na prática, o consumidor a trocar o distribuidor por um comerciante para representá-lo”, alerta Mariana Amim , diretor de Assuntos Técnicos e Regulatórios da Anace.
IMPACTOS PARA OS DISTRIBUIDORES
A abertura do mercado livre para um novo universo de consumidores tende a reduzir ainda mais o mercado de distribuidoras de energia elétrica, que já vem diminuindo de tamanho nos últimos anos com o fluxo de migrações para o ACL e com o avanço da geração distribuída de energia .
Em nota, o governo disse que estudos e projeções de mercado realizados indicam que a abertura para alta tensão não causará impactos aos consumidores do mercado cativo.
A Abraceel, por sua vez, afirmou que suas análises “demonstram que há condições para enfrentar hipotéticos episódios de sobrecontratação (de distribuidoras) com segurança jurídica e respeito aos contratos”. Ele também destacou que a abertura “reduz custos e subsídios, inclusive para consumidores cativos”.
Durante consulta pública sobre o assunto, a Abradee, associação que representa as distribuidoras, disse que a abertura do mercado para consumidores de média e alta tensão seria “precipitada”, e só deve ocorrer após a aprovação de medidas que impeçam o aumento de custos para os consumidores. que permanecerá no mercado cativo.
“Nesse sentido, a sobrecontratação decorrente de contratos legados e a migração de consumidores nesta nova janela proposta pelo MME, trarão, em 2024, 5,5 bilhões de reais de custos adicionais para os demais consumidores regulados”, afirmou a Abradee, em documento entregue na consulta pública.
O governo ainda não iniciou o processo de abertura do mercado a todos os consumidores do país, mas já indicou sua expectativa de fazê-lo em breve.
“O próximo passo, de abertura total do mercado, permitirá a todos os consumidores de energia elétrica o acesso ao mercado livre. Em breve o tema será discutido em consulta pública específica para o tratamento de consumidores de baixa tensão”, disse o governo esta quarta-feira. feira.
(Por Letícia Fucuchima)