Quem gosta de um bom churrasco ou é consumidor de carnes bovinas provavelmente já passou pela experiência desagradável de comer um pedaço mais duro ou sem tanto sabor. As possíveis explicações para essa carne indesejada estão no tipo de boi utilizado para corte. O que pode implicar um produto de pior qualidade, ou também no período e na forma como as carcaças do animal são suspensas nos frigoríficos após o abate.
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Um estudo realizado por pesquisadores da Unesp, em Jaboticabal e Botucatu, em parceria com a startup Brazil Beef Quality apontou que pendurar as carcaças bovinas pelo osso pélvico torna a carne cerca de 20% mais saborosa e suculenta, além de deixá-la macia em um intervalo menor de tempo. Um artigo que descreve os resultados da técnica foi publicado este ano na revista científica internacional Foods.
No trabalho, os cientistas conduziram experimentos com 96 voluntários do Estado de São Paulo que degustaram às cegas pedaços de contrafilé que foram suspensos tanto pelo osso pélvico como pelo tendão de aquiles, este último considerado o método convencional aplicado nos frigoríficos brasileiros.
As amostras (total de 576) oferecidas aos consumidores, foram identificadas por códigos aleatórios. Além disso, também passaram por diferentes períodos de maturação — processo de amaciamento da carne que ocorre após o abate do animal, quando suas enzimas começam a quebrar as fibras musculares dos cortes cárneos. Ao final do teste sensorial, os participantes deram notas para as carnes assadas considerando aspectos como sabor, textura, aroma, suculência e aparência.
“Nosso estudo é o primeiro a realizar testes sensoriais com consumidores para avaliar, na prática, se o produto realmente apresentaria essa melhora” — Marcelo Coutinho
“Nossa proposta foi avaliar se a forma como penduramos a carcaça do animal poderia interferir na qualidade da carne, e vimos que os contrafilés suspensos pela pelve sempre recebiam notas melhores dos voluntários, que os consideraram mais macios e saborosos. Esse método de suspensão já é utilizado em alguns países da Europa e, principalmente, na Austrália, mas no Brasil ainda não. Nosso estudo é o primeiro a realizar testes sensoriais com consumidores para avaliar, na prática, se o produto realmente apresentaria essa melhora”, explica Marcelo Coutinho, CEO da Brazil Beef Quality e um dos autores do trabalho, que foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Padronização da qualidade da carne
O especialista diz que o Brasil ainda carece de padronização da qualidade da carne, que varia significativamente mesmo que os animais possuam a mesma idade, manejo e até entre aqueles que são irmãos. “Grande parte dos animais produzidos no país é de commodities (produtos básicos de importância mundial), por isso muitas vezes a qualidade fica em segundo plano, tendo mais relevância a quantidade e o preço baixo. O Brasil ainda deve acordar para alcançar níveis mais altos de qualidade do produto”, completa.
Segundo informações informações da Unesp, o estudo foi realizado com carnes tanto de bovinos cruzados – Bos taurus × Bos indicus fêmeas (novilhas) – que abastecem o chamado mercado “premium” —, quanto apenas de bovinos Bos indicus — popularmente conhecido como Zebu —, que correspondem a cerca de 80% do rebanho brasileiro.
Com isso, embora seja a carne mais vendida e consumida do país, possui limitações do ponto de vista de maciez, principalmente quando proveniente de bovinos zebuínos machos não castrados (inteiros), demandando um período maior de maturação e gerando mais custos aos frigoríficos, que podem repassar ao consumidor final. No entanto, a pesquisa trouxe outra novidade: demonstrou que as carcaças de Bos indicus suspensas pelo osso pélvico precisam de um tempo de maturação menor para atender às expectativas dos consumidores em relação à qualidade da carne.
“É uma grande vantagem para os açougues, pois eles conseguem colocar o produto de melhor qualidade à venda mais rapidamente e gastar menos com o processo de maturação” — Welder Angelo Baldassini
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“Os resultados mostraram que as carcaças suspensas pela pelve apresentaram uma melhora significativa na qualidade da carne após cinco dias de maturação, sendo que no método convencional são necessários cerca de 15. Isso é uma grande vantagem para os açougues, pois eles conseguem colocar o produto de melhor qualidade à venda mais rapidamente e gastar menos com o processo de maturação”, explica o professor Welder Angelo Baldassini, do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da Unesp, em Jaboticabal.
Em busca de melhorar — ainda mais — o produto
De acordo com o levantamento da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o Valor Bruto da Produção (VBP) da Pecuária atingiu R$ 439,2 bilhões em 2022, 0,4% a mais que em 2021. A produção de carne bovina, especificamente, deve crescer 6,9% (10,3 milhões de toneladas), embora a expectativa para a receita seja de um recuo de 0,2%, totalizando R$ 216,5 bilhões no ano passado.
A qualidade da carne é uma preocupação importante para os consumidores e indústria, e a utilização de técnicas inovadoras de manejo do produto após o abate do animal pode ser uma forma eficaz de contribuir com esse cenário.
Os cientistas explicam que a suspensão das carcaças pela pelve melhora a maciez da carne por conta do “alongamento” dos músculos do animal, que têm suas fibras e proteínas quebradas contribuindo para uma produto mais macio, saboroso e suculento. Além do mais, a suspensão pela pelve é uma técnica de baixo custo de implementação pelas indústrias que buscam melhorar a qualidade de seus produtos cárneos.
“A técnica de suspensão pela pelve é uma alternativa simples, barata e de fácil aplicação capaz de elevar, principalmente, a qualidade da carne do dia a dia” — Welder Angelo Baldassini
No laboratório de Ciência da Carne da Unesp, em Botucatu, os pesquisadores também comprovaram a melhora da qualidade da carne que foi suspensa pela região pélvica. Um dos testes realizados, por exemplo, foi o que utiliza um equipamento que “atravessa” a carne para avaliar sua textura e maciez após ela ser assada em temperatura pré-determinada. Os pesquisadores observaram que o dispositivo realizou menos força para cortar a carne suspensa pela pelve em comparação à que foi pendurada pelo tendão de aquiles.
“A técnica de suspensão pela pelve é uma alternativa simples, barata e de fácil aplicação capaz de elevar, principalmente, a qualidade da carne do dia a dia, permitindo que os consumidores sintam na prática essa melhora. Nossa proposta é agregar valor a uma carne considerada comum, mas que poderá ter grandes saltos em sua qualidade e ainda contribuir para a economia do país”, finaliza o docente.