Cientistas da Embrapa e colaboradores analisaram o conjunto de microrganismos presentes nas fezes de touros Nelore e identificaram biomarcadores capazes de identificar o fenótipo menos emissor e mais eficiente do ponto de vista da conversão de nutrientes em massa.
O grupo reúne veterinários, biólogos, bioinformática, epidemiologistas e especialistas em informática. O experimento foi realizado com o objetivo de selecionar animais menos emissores e mais eficientes do ponto de vista da conversão de nutrientes em massa corporal.
De acordo com o Observatório do Clima, a agricultura ocupa o segundo lugar em emissões de gases de efeito estufa no Brasil, respondendo por 28% do total. Este fato está fortemente ligado ao rebanho bovino, que não para de crescer. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2020 o rebanho bovino atingiu 281,2 milhões de cabeças, o maior número desde 2016.
“O que estamos tentando descobrir é se, usando informações sobre o tipo de microrganismo que o animal abriga, podemos melhorar seu perfil de emissões. Para isso, procurou-se identificar associações entre componentes do microbioma bovino e emissão residual de metano. Mas o principal objetivo deste projeto foi provar se, usando amostras de fezes bovinas, seríamos capazes de encontrar marcadores [do perfil de emissão] no microbioma. E conseguimos”, resume Luciana Correia de Almeida Regitano, da Embrapa Pecuária Sudeste, coautora de artigo sobre o tema publicado recentemente na revista Frontiers in Genetics.
Segundo ela, o processo digestivo é a maior fonte de emissão de metano no gado, respondendo por mais de 90% do total. A maior parte é causada pelo arroto de animais. A pesquisadora explica que existem trabalhos que relacionam bactérias às emissões de metano, mas costumam usar amostras do rúmen do animal, que são muito difíceis de obter, até mesmo para pesquisas.
“Para o melhoramento genético, seria inviável, pois a coleta de amostras envolve práticas invasivas. Ficamos surpresos com os resultados deste trabalho, pois estávamos propondo analisar o conteúdo fecal para relacioná-lo com a emissão de metano por arroto. Não sabíamos se funcionaria”, diz.
Experimentar
Foram utilizadas amostras de 52 touros da raça Nelore, divididos em dois grupos de 26 indivíduos. Parte recebeu ração convencional, à base de silagem de milho, milho, farelo de soja, gordura ruminal protegida e concentrado de uréia. Os demais foram alimentados com subprodutos industriais: polpa cítrica, gérmen de milho, farinha de óleo de gérmen de milho e farinha de casca de amendoim. Em ambos os grupos de tratamento, os animais receberam suplementos minerais. O experimento teve duração de 105 dias e os touros ficaram em confinamento.
Os cientistas coletaram amostras de sangue para extrair o DNA dos animais. Além disso, mediram as emissões de metano no final do confinamento usando uma espécie de cocho automatizado. “O animal enfia a cabeça para se alimentar e o aparelho suga e quantifica os gases. Os resultados são enviados para um armazenamento de dados central. São equipamentos caros, mas esse investimento foi feito aqui na unidade porque existem vários grupos trabalhando com os impactos da pecuária nas mudanças climáticas”, diz Regitano.
Na fase final do experimento, duas semanas antes do abate, foram obtidos aproximadamente 10 gramas (g) de fezes de cada animal e 50 mililitros (ml) de conteúdo ruminal foram coletados imediatamente após o abate. Os cientistas extraíram o DNA do microbioma fecal e identificaram um total de 5.693 variantes de sequência de amplicon (ASVs, ou sequências de DNA individuais).
“Acessamos informações do microbioma bovino por meio de uma técnica que nos permite fazer muitas cópias de uma região específica do DNA nos genomas de bactérias e arqueias e sequenciá-las. Esses bits amplificados e sequenciados, que chamamos de ASVs, compõem nossas unidades de análise.”
Os pesquisadores identificaram 30 ASVs de bactérias e 15 de archaea como diferencialmente abundantes entre os dois grupos de gado por meio de uma análise de composição do microbioma (Ancom). É uma técnica que compara as composições de dois grupos e identifica componentes (ASVs) que são significativa e diferencialmente abundantes em cada grupo. Posteriormente, uma análise de associação indicou que a variação do fenótipo bovino, em relação à sua emissão residual de metano e sua ingestão alimentar residual, poderia estar correlacionada com ASVs bacterianos, sugerindo seu potencial como biomarcadores ou para a realização de intervenções.
“Um dos grandes desafios do trabalho são as metodologias para encontrar associações, pois são milhares de ASVs e metabólitos. O desafio aqui é: qual método é usado para associar essa quantidade de informação com o fenótipo medido em apenas 52 animais?”, comenta.
As emissões residuais de metano levam em consideração variáveis como o consumo de matéria seca do animal. Usar o valor das emissões residuais em vez da medição bruta realizada em cada animal ajuda a padronizar as medições e comparar animais que são muito diferentes no consumo de alimentos, por exemplo. O conceito de consumo alimentar residual refere-se à quantidade de alimento que o animal precisa consumir para ganhar peso, além do que ele teria que ingerir para manter seu metabolismo básico. “É uma medida de eficiência alimentar. Alguns animais precisam consumir muito mais comida do que as pessoas previam pelo seu metabolismo basal para ganhar um pouco de peso. Outros menos.”
A equipe descobriu que o grupo que recebeu alimentação convencional abrigava uma maior diversidade de microrganismos. “Sabemos que existem estudos dizendo que animais mais eficientes têm menos diversidade de microrganismos. No entanto, neste artigo, não obtivemos diferença estatística para eficiência alimentar entre os dois grupos, por serem pequenos”, diz o pesquisador.
Ela destaca ainda que já existe uma descrição da associação de gêneros bacterianos com emissão de metano, ou seja, bactérias mais presentes em animais que emitem mais ou menos metano já foram identificadas em outros estudos. “Mas a grande maioria dos estudos que fizeram essas associações funcionarem com animais em situações extremas: eles comparam um grupo que emite mais metano e outro que emite menos e diz qual bactéria está presente naquele que emite menos, por exemplo. Eles encontraram a associação, mas não conseguiram quantificar a contribuição da bactéria para a quantidade de metano emitida. E conseguimos, ainda que em uma pequena amostra, de apenas 52 animais.”
O trabalho recebeu apoio da FAPESP por meio do Projeto Temático “O Hologenoma Nelore: implicações para a qualidade da carne e eficiência alimentar”, coordenado por Regitano. Além de bolsas no país e no exterior concedidas a Bruno Gabriel Nascimento Andrade, primeiro autor do artigo.
Emissões e eficiência alimentar
Foram identificados dois ASVs bacterianos – um no microbioma ruminal e outro nas fezes – associados ao fenótipo de emissões residuais de metano. No microbioma ruminal, um ASV classificado como pertencente ao gênero Solobacterium foi identificado como mais abundante em animais com alto perfil de emissões residuais. No microbioma fecal, o ASV pertencente ao gênero Alistipes foi associado a uma diminuição nas emissões residuais. Este gênero compreende bactérias comumente identificadas no microbioma bovino.
A equipe também identificou quatro ASVs bacterianos associados à ingestão residual de ração no ambiente ruminal, três deles associados à ineficiência alimentar e um a animais com maior eficiência alimentar. E ainda, um ASV associado à eficiência e outro à ineficiência alimentar no ambiente fecal de bovinos.
“Neste caso, trata-se de uma tentativa de selecionar os animais mais eficientes na utilização dos nutrientes da dieta, na conversão desses nutrientes em músculo. Assim, ao mesmo tempo em que obtivemos marcadores de emissão de metano, obtivemos também marcadores de eficiência alimentar. Podemos combinar as informações das duas características e obter um animal que emita menos metano, consumindo menos comida e ganhando mais peso”, diz Regitano.
Ela reitera que o trabalho de melhoramento genético precisa de grandes amostras, representando grandes regiões geográficas e diferentes situações. “É por isso que estamos expandindo esta amostra. No momento, estamos coletando amostras de fezes de um grande número de touros jovens que devem se reproduzir. Agora que vimos que existem indicadores de emissão e eficiência alimentar nas fezes, vamos ampliar a coleta de amostras. Em julho coletamos mais de 120 animais e vamos compor uma amostra de mais de 500 animais da Associação Brasileira de Criadores de Zebu. Fizemos parceria com a associação e todos os anos coletamos fezes de animais, desde 2019, para obter uma amostra mais representativa da população de gado Nelore.”
Regitano diz que, em um primeiro momento, amostras da Embrapa e de outras fontes serão analisadas individualmente. “Mas quando tivermos um volume razoável, analisaremos as amostras juntos e poderemos saber se um marcador é bom para várias situações diferentes, por exemplo.”
o artigo completoo Componentes do microbioma fecal e ruminal associados à emissão de metano e eficiência alimentar em bovinos de corte Nelore Pode ser acessado aqui.
Fonte: Um Planeta
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