por Bernardo Caram
BRASÍLIA (Reuters) – Uma nova proposta de quadro fiscal em elaboração no Ministério da Economia autoriza aumento dos gastos do governo acima da inflação em função do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e do nível da dívida pública, além de ampliar o flexibilização da regra do teto ao permitir o aumento das despesas em períodos de recessão econômica, independentemente do nível de endividamento.
Se adotada este ano, a fórmula já abriria espaço para mais gastos em 2023.
A ideia começou a ser apresentada aos acadêmicos em meio à busca do governo para viabilizar promessas de campanha do presidente Jair Bolsonaro, que busca a reeleição. A manutenção do impulsionado Auxílio Brasil, por exemplo, não foi incluída no Orçamento do próximo ano porque não há espaço no teto para essa despesa adicional de aproximadamente 50 bilhões de reais.
A medida foi apresentada na última sexta-feira durante evento fechado na UnB (Universidade de Brasília) pelo chefe da Assessoria Especial de Estudos Econômicos da pasta, Rogério Boueri – A Reuters teve acesso ao conteúdo da apresentação.
Segundo fontes do ministério, o texto é diferente da proposta construída e prometida pelo Tesouro Nacional, que foi divulgada há mais tempo e cria uma âncora fiscal baseada na dívida pública para substituir a atual regra do teto – que corrige os gastos primários federais de acordo com à variação da inflação.
A proposta da Assessoria de Estudos Económicos define diferentes parâmetros consoante o nível da dívida bruta das administrações públicas. Se o indicador estiver abaixo de 60% do PIB, o aumento do teto acima da inflação será um ponto percentual inferior ao crescimento do PIB do ano anterior.
Por exemplo, se o PIB crescesse 3%, o governo aumentaria seus gastos 2% acima da inflação. Se o PIB aumentasse entre 0% e 1%, não haveria aumento real nos gastos.
Em momentos em que a dívida pública está entre 60% e 80% do PIB, o aumento dos gastos também será um ponto abaixo do avanço da atividade, mas não haverá aumento real dos gastos se o PIB crescer entre 0% e 2%.
Para dívida bruta acima de 80% do PIB, a regra básica só permitirá a correção das despesas pela inflação.
VÁLVULA DE CONTRACICLO
Uma das fontes afirmou que foi por sugestão do Tesouro que a Assessoria de Estudos Econômicos incluiu a âncora da dívida em sua proposta, que inicialmente considerava apenas a variação do PIB como fator de evolução dos gastos.
A regra ainda teria uma válvula de escape anticíclica, válida para qualquer nível de endividamento público. Em situações de recessão econômica, um aumento temporário dos gastos seria liberado. Se o PIB caísse 2%, por exemplo, o teto subiria 2% acima da inflação. Se a queda fosse de 1%, o aumento real dos gastos seria de 1%.
“Os fundamentos do teto de gastos seriam preservados, no entanto, haveria margem de manobra tanto para casos recessivos quanto para casos de aumentos de receita associados ao crescimento econômico (e não à carga tributária)”, diz a apresentação da pasta.
Considerando o atual patamar da dívida bruta, em 77,6% do PIB, e a projeção do governo de que a atividade cresça 2,7% neste ano, o teto já poderia ter um aumento real de 1,7% em 2023 se a regra estivesse em vigor, criando um folga de quase 31 bilhões de reais nas contas. Se a economia avançasse mais, o espaço aumentaria.
A nova regra fiscal ainda estaria vinculada à ideia do ministro da Economia, Paulo Guedes, de abrir uma exceção ao teto para repasses extraordinários para programas sociais e obras públicas em caso de privatização de empresas estatais.
Procurado, o Ministério da Economia informou que não comenta estudos em andamento.
PROPOSTA DE TESOURARIA
Pelo menos desde 2019, o Tesouro discute a criação de uma regra para estabelecer uma âncora fiscal com base na evolução da dívida pública. Em agosto deste ano, técnicos do órgão anunciaram que o novo modelo poderia ser apresentado em 2022, após as eleições.
A medida do Tesouro teria menos constrangimentos do que a ideia da Assessoria de Estudos Econômicos. De acordo com o plano, o crescimento dos gastos públicos poderia superar a inflação quando o indicador da dívida estivesse abaixo de um determinado nível – os níveis ainda não estão definidos.
Com o modelo, segundo técnicos do Tesouro, não haveria espaço para encaixar o adicional Auxílio Brasil no teto no primeiro ano de vigência. Portanto, seria necessário aprovar uma exceção inicial à regra.
Uma das fontes do ministério vê a nova proposta com preocupação, justificando que os componentes adicionais para a evolução das despesas incluídos na medida pelo Conselho Consultivo de Estudos Económicos dificultam a consolidação orçamental ao, por exemplo, permitir um aumento dos desembolsos num período de recessão mesmo que a dívida esteja acima de 80% do PIB.
Além disso, argumenta que o maior número de restrições dificulta o cálculo das projeções de gastos do governo, aumentando as incertezas sobre o cenário fiscal.
Um técnico da Tesouraria, porém, afirmou que as propostas devem ser discutidas em conjunto.
“É importante lembrar que os analistas do Tesouro publicarão uma proposta com a dívida como referência e que estamos abertos a críticas e sugestões. De qualquer forma, estamos trabalhando em conjunto com Boueri e o ministro”, disse, sob condição de anonimato porque as discussões não são públicas.
(Editado por Isabel Versiani)