A utilização de energias renováveis é extremamente necessária nos tempos atuais, para evitar a emissão de gases de efeito estufa e as consequências do aumento da temperatura do planeta, bem como para garantir um futuro sustentável que perdure para as próximas gerações. No entanto, a dependência do clima os torna fontes intermitentes, o que prejudica a produção contínua de energia devido à ausência de condições favoráveis, por exemplo, à noite, quando não há luz solar.
Portanto, juntamente com os sistemas de energia renovável, é necessário armazenar energia elétrica, que atualmente é feita por meio de baterias, que podem ser de chumbo-ácido, níquel-cádmio ou íon-lítio. No entanto, o armazenamento de energia em baterias ainda é caro e ineficiente. Baterias de alto desempenho, em termos de capacidade máxima de armazenamento de energia, baixo peso, pouco espaço e baixo custo, ainda são um desafio. Uma alternativa é o armazenamento na forma de hidrogênio, utilizando o excesso de energia renovável para produzi-lo, devido às características desse elemento químico (possui poder calorífico muito superior a outros combustíveis, como metano, gasolina, diesel e metanol). Pode ser utilizado como combustível limpo, pois sua combustão gera apenas água e muita energia.
Em um esforço conjunto da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), foi criado o Protocolo de Paris, um acordo que tem como principal objetivo mitigar as mudanças climáticas e baixar as temperaturas globais bem abaixo de 2o C, em relação aos níveis pré-industriais, em além de acelerar investimentos e ações para um futuro mais sustentável. O Brasil se comprometeu a reduzir em 37% as taxas de emissões de gases de efeito estufa registradas em 2005 até 2025 e, consequentemente, em 43% até 2030, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente divulgados em 2020. Protocolo, novas medidas sustentáveis estão sendo desenhadas pelos países signatários do referido acordo para mitigar os impactos do uso de combustíveis fósseis no planeta.
Existem fortes razões para o desenvolvimento da tecnologia do hidrogênio no Brasil, entre elas podemos citar: a redução das mudanças climáticas e da emissão de gases de efeito estufa, o combate à alta dependência de combustíveis fósseis, a variação do preço do petróleo, a desafia o controle das reservas de petróleo incertas e a crescente demanda mundial de energia.
O Brasil ainda depende de combustíveis fósseis, concentrados principalmente nos meios de transporte que utilizam combustível automotivo. Apesar disso, o país possui uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo, com 70% de participação de energias renováveis na matriz elétrica nacional. No entanto, estes são dependentes do clima (as desvantagens foram mencionadas anteriormente). Além disso, 60% dessa participação vem das hidrelétricas, que são altamente dependentes das chuvas e mais sensíveis às mudanças climáticas e à floresta amazônica. É necessária uma matriz elétrica mais diversificada. Ainda há 30% da energia que vem de combustíveis fósseis.
O preço de venda do petróleo segue uma fórmula complexa que vai além dos objetivos deste artigo, pois depende de muitas variáveis, como oferta e demanda global, preço no mercado internacional, preço do dólar, política interna de cada país e a geopolítica. Vale lembrar que, no início da pandemia, vimos o preço do barril de petróleo cair para valores negativos e disparar seu valor nos últimos meses, por conta da guerra entre Ucrânia e Rússia. Alcançar a independência energética do petróleo e a segurança energética é o objetivo de todos os países.
Países em desenvolvimento, como os da América do Sul, têm enorme potencial de geração de energia solar, eólica, hidrelétrica e bioenergia. Todos eles são promissores. Um cenário não tão favorável é visto em países desenvolvidos, como os que compõem a União Europeia e os EUA, onde o uso do hidrogênio como combustível parece ser uma alternativa rápida ao cumprimento do Acordo de Paris. O Brasil tem potencial para se tornar um grande exportador de hidrogênio verde, proveniente de energias renováveis, o que geraria muitos empregos e demandaria mão de obra qualificada.
Agora vamos ao papel dos fertilizantes. As plantas precisam de macronutrientes NPK (símbolos dos elementos químicos nitrogênio-fósforo-potássio, respectivamente), além de sol e água, é claro, para sobreviver e crescer. Os fertilizantes contêm esses macronutrientes. No caso de fertilizantes à base de nitrogênio, eles são feitos de amônia NH3. Embora o nitrogênio seja um elemento em abundância no planeta Terra, pois é encontrado no ar atmosférico em uma composição de 79% em volume, as plantas precisam absorvê-lo pelas raízes (na forma de NO3- ou NH4+), com o uso de fertilizantes quando o solo não tem esse nutriente em abundância. Uma maneira de fixar o nitrogênio atmosférico foi descoberta há mais de 110 anos, pouco antes da Primeira Guerra Mundial, na Alemanha, pelo químico Fritz Harber, que descobriu a síntese de amônia usando nitrogênio do ar e hidrogênio. A industrialização do processo foi posteriormente realizada por Carlos Bosch. Essas descobertas levaram ambos a ganhar o Prêmio Nobel de Química nos anos de 1918 e 1931, respectivamente. O procedimento, mais conhecido como Harber-Bosch, ainda é usado hoje e é chamado de “a reação que alimenta o mundo”. A técnica utiliza hidrogênio, obtido a partir de catalisadores de gás natural, nitrogênio e ferro.
O Brasil exporta alimentos para suprir a demanda de quase um bilhão de pessoas no mundo, o que significa cerca de um oitavo da população do planeta, segundo informou Ricardo Senra em 2020 em reportagem da BBC Brasil. Ao contrário disso, recentemente foi relatado que 33 milhões de pessoas no Brasil não têm o suficiente para comer. Existem várias razões para esta escassez de alimentos; um deles está relacionado ao aumento do preço dos fertilizantes, que encarece os alimentos.
O Brasil é o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo e o maior importador desses insumos. É precedido pela China, Índia e Estados Unidos em termos de consumo. Só para se ter uma ideia, em 2021, o Brasil consumiu mais de 40 milhões de toneladas de fertilizantes, sendo 85% importados. O maior exportador de NPK do planeta é a Rússia. O hidrogênio necessário para a síntese da amônia vem do gás natural, que é transformado em gás de síntese (uma mistura gasosa de hidrogênio H2 e monóxido de carbono CO) por meio de uma reação específica chamada de Reforma a Vapor de Metano, combustível do qual a Rússia é o segundo maior produtor do mundo e o maior exportador. A amônia é a matéria-prima para a produção de fertilizantes como uréia e nitrato de amônio. A Rússia e o Oriente Médio (Arábia Saudita, Catar e Irã são os maiores produtores de petróleo e gás natural) são os maiores exportadores.
A intensificação da produção de hidrogênio no Brasil, consequentemente, ajudaria a produção local de amônia e, com ela, a produção de fertilizantes nitrogenados. Isso traria benefícios para a economia do país e também ajudaria a reduzir a insegurança alimentar. Embora a amônia também seja usada para produzir explosivos, seu uso para aliviar a fome prevalece e é muito mais forte.
Segundo uma das mais importantes bases de artigos científicos, a Scopus, as pesquisas no mundo sobre hidrogênio e gás de síntese (mais conhecido como Syngas, sigla em inglês para Synthesis-Gas) começaram a ganhar mais interesse a partir de 2004, com grande crescimento desde então, resultando em 62.292 artigos publicados entre 1964 e 2022. A pesquisa é liderada por países como China, Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul, Índia, Alemanha, entre outros. E, no cenário regional, aparece o Brasil, com destaque na América Latina. Grande parte do trabalho no Brasil se concentra na produção de hidrogênio/gás de síntese a partir de bioprodutos, como etanol de cana-de-açúcar, glicerol, bio-óleo e biogás. Há também estudos que utilizam bioprocessos. Dito isso, o Brasil é uma potência mundial em biocombustíveis.
Na Unifesp, há pesquisas sobre Syngas no Laboratório de Catálise e Química Sustentável do Instituto do Mar (IMar/Unifesp), em parceria com pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo (USP), o Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM) e a Universidade Federal do ABC (UFABC).
Como exemplo, há estudos para a produção de gás de síntese a partir de biogás sintético, biometano e bioetanol. Há também estudos sobre a produção de hidrogênio a partir da água e da luz solar com o auxílio de catalisadores semicondutores por meio de um processo chamado fotocatálise heterogênea. Embora esses processos ainda estejam em escala laboratorial, os resultados são bastante promissores, ainda mais considerando o atual cenário global.
A implementação da tecnologia de produção de hidrogênio e o apoio à ciência e às universidades públicas no Brasil facilitariam a construção de um projeto para um futuro energético nacional e, com isso, o país conquistaria a independência energética e de fertilizantes nitrogenados. Isso também ajudaria a criar demanda por mão de obra qualificada e aquecer a economia.
Yvan JO Asencios é professor de Engenharia Química e chefe do Laboratório de Pesquisa em Catálise e Química Sustentável do Instituto do Mar (IMar/Unifesp) – Campus Baixada Santista