Os jardins agroflorestais desempenham um papel fundamental nos serviços ecossistêmicos, na ciclagem de nutrientes e na conservação dos recursos genéticos devido à grande diversidade de famílias e espécies botânicas. Quando observadas mais de perto, predominam as espécies para fins alimentares; a mulher tem grande importância na manutenção dos quintais agroflorestais; além disso, a agricultura periurbana está diretamente relacionada à segurança econômica e alimentar das famílias agricultoras.
Essas são algumas das conclusões de uma pesquisa liderada pela Embrapa Agrossivilpastoril, em parceria com a Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat) e a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), cujos resultados foram apresentados recentemente no artigo “Agrobiodiversidade na agricultura periurbana de Sinop, Mato Grosso, Brasil, Amazônia Legal”.
O objetivo da investigação foi avaliar a diversidade das espécies que compõem a agrobiodiversidade de quintais agroflorestais (e matas do entorno) de propriedades da região periurbana de Sinop. Para dimensionar o cenário e responder às questões dos pesquisadores, eles trabalharam com uma seleção de dez propriedades distribuídas entre as comunidades rurais Adalgiza, Brígida, Branca de Neve, Nossa Senhora de Fátima, São Cristóvão e São Rafael.
Eles foram selecionados após visitas feitas pelos pesquisadores às feiras livres de Sinop, com o apoio da Secretaria Municipal de Agricultura, para levantamento de informantes da agricultura familiar cujas propriedades compõem a região periurbana estudada.
No trabalho realizado em 2019, os pesquisadores aplicaram tanto um questionário com perguntas destinadas a identificar o perfil social das famílias (local de nascimento, idade, finalidade de uso da produção) quanto, nas propriedades, a técnica conhecida como lista livre e observação direta, que é quando o informante caminha por sua propriedade e aponta as espécies vegetais existentes e seus nomes comuns.
Posteriormente, cada espécie foi identificada por seu respectivo nome científico e famílias botânicas, possibilitando gerar três classificações em relação às plantas: a) a primeira delas quanto à origem (plantas exóticas ou nativas), com base na classificação seguindo a Sistema APG III (Grupo de Filogenia de Angiospermas); b) classificação de acordo com a localização observada durante a visita a cada imóvel, ou seja, onde estão localizadas tais plantas: quintal, jardim e/ou mata; e, c) quanto ao uso potencial (medicinal, alimentício e/ou outros fins, como ornamental, sombreamento, etc.).
Conforme explica a pesquisadora Eulália Hoogerheide, da Embrapa Agrossilvipastoril, as notas ratificam a importância da agricultura familiar nas frentes de conservação dos recursos genéticos, bem como a importância das espécies para a segurança alimentar e econômica das famílias. Alguns dados chamaram a atenção dos pesquisadores, como o elevado número de espécies identificadas, o perfil predominantemente feminino em relação ao grupo de produtores informantes, bem como a média de idade elevada de 59 anos.
“Identificamos 161 espécies botânicas em diferentes propriedades e, se compararmos com outros estudos, de outras regiões, até de outros países, é possível constatar essa diversidade”, afirmou Eulália.
O que são Quintais Agroflorestais?
Os quintais agroflorestais são representações de sistemas que contribuem para a promoção e diversificação de inúmeras espécies arbóreas e agrícolas que refletem uma grande variedade de espécies vegetais e animais. A construção desses espaços em pequenas propriedades mescla conhecimentos sobre uma ou mais espécies associadas a sistemas tradicionais implantados para fins de uso na alimentação, serviços ambientais, entre outros.
São, em geral, parte das pequenas propriedades, localizadas no entorno das casas e construídas pelo trabalho familiar. Nela são encontradas espécies de diversas categorias que vão, por exemplo, desde ervas, árvores e outras.
Exemplos
A propriedade da família Smiderle, localizada na comunidade Brígida, é um retrato do que mostraram as pesquisas da Embrapa, UFMT e Unemat. Na área de 15 hectares onde mora a agricultora Neusa Smiderle, 63 anos, com seus filhos e netos, existem espécies cultivadas comercialmente à venda nas feiras livres do município, como mandioca e cana-de-açúcar, e outras de caráter medicinal, ornamental, sombreamento e outras finalidades. Juntos, eles compõem toda a dinâmica do sistema agroflorestal localizado no quintal da casa.
“No meu caso, nasci no campo. Desde cedo aprendi com meus pais a trabalhar na roça, a plantar tudo lá no Paraná. E quando chegamos aqui, apenas continuamos. Já se passaram mais de trinta anos. Sempre no campo”, brinca Dona Neusa, reforçando sua ligação com o campo, vínculo que também é passado de geração em geração.
Conforme explica a agricultora Neusa Smiderle, a fonte de renda da família vem das atividades na propriedade, algo que a investigação também identificou nas dez propriedades visitadas. Outro dado mapeado no estudo diz respeito ao perfil dos informantes da pesquisa, que é 70% do sexo feminino e 30% do sexo masculino, com predominância de pessoas da região Sul do Brasil.
No conjunto das propriedades pesquisadas houve predominância de cultivo de diferentes espécies em quintais (65,54%), 28,1% em jardins e 6,5% na mata. O diagnóstico também identificou que a média por categoria foi de 36,6 espécies/propriedade para alimentação; 7,3 para medicamentos e 4,5 para outros usos, conforme a publicação.
“Nesta propriedade de Dona Neusa, vemos a importância da mulher no trabalho e na preservação dos quintais agroflorestais. A forma de manejo, a conservação, a própria curiosidade de guardar, de conhecer, de experimentar, é o que tanto contribui para manter essa dinâmica”, destaca o pesquisador da Embrapa.
No grupo respondente, caracterizou-se a alta média de idade – 59 anos -, o que, para a pesquisadora Eulália Hoogerheide, deve ser levado em consideração na implementação de políticas públicas de incentivo à permanência dos mais jovens no campo.
No caso da família Smiderle, a jovem Thaynara de Souza Smiderle, de 18 anos, garante que o êxodo rural não será um problema para ela, pois seguirá o caminho da avó e dos pais. “Meus pais, meus avós, tios, minha família em geral, sempre trabalharam com cana, com caldo de cana e eu tenho visto tudo isso. Agora, gosto de viver na roça, plantar, colher. Isso é para toda a vida, para toda a vida”, destacou.
agrobidiodiversidade
A investigação mapeou, entre o grupo de entrevistados, as famílias botânicas encontradas: foram identificadas 55 famílias, sendo Fabaceae (14), Myrtaceae, Lamiaceae (11), Arecaceae e Brassicaceae (9), Poaceae, Asteraceae, Cucurbitaceae e Rutaceae (7 espécies cada), Solanaceae (6), Anacardiaceae e Bignoniaceae (4) as mais representadas, segundo os pesquisadores.
Ainda de acordo com o trabalho, das 161 espécies presentes em quintais agroflorestais, 32% são nativas e 68% exóticas. Entre as espécies exóticas mais encontradas foram manga, coco e banana. Já entre os nativos, a mandioca e a goiaba.
Com Embrapa
(Tatiane Bertolino/Sou Agro)


