Após sucessivos aumentos, ultrapassando 60% em um ano, e se tornando o vilão da inflação de alimentos, o índice de preços do leite começa a recuar. As análises do Centro de Inteligência da Embrapa Leite (CILite) apontam para quedas em todos os produtos lácteos, o que inclui também o valor recebido pelos produtores. “Segundo dados divulgados pelo Conselho Conjunto de Produtores de Leite/Indústria dos Estados (Conseleites) em relação ao pagamento ao produtor em setembro, podemos dizer que o movimento de alta chegou ao fim”, destaca Samuel Oliveira, pesquisador no Embrapa Gado Leiteiro (MG).
As razões para o forte aumento recente
A forte pressão sobre o preço do leite e seus derivados foi motivada por diversos fatores, entre eles a queda na oferta do produto. A entressafra, que ocorre nos meses de outono/inverno, quando há menos pastagem para o rebanho, faz com que a produção diminua. Isso já é esperado pelo setor. No entanto, outros fatores contribuíram para a queda da produção mais do que o normal, como o alto custo de produção e a deterioração da rentabilidade das fazendas.
A guerra no Leste Europeu e o aumento dos preços de fertilizantes, combustíveis e commodities agrícolas em geral acabaram pressionando os custos. A desorganização das cadeias produtivas, que ocorreu mundialmente por conta da pandemia de Covid-19, também é apontada como uma das variáveis, pelo analista José Luiz Bellini, da Embrapa.
Com a chegada da primavera no Hemisfério Sul, e com ela a estação chuvosa, a produção no campo começa a aumentar, primeiro nos estados do sul do país; depois em outras regiões. Para o pesquisador Glauco Carvalho, da Embrapa, o aumento da produção já pode ser observado no mercado ver (compra e venda de leite entre indústrias). O ver registrou queda de 37,6% no preço praticado em agosto, fechando a segunda quinzena em R$ 2,83 o litro”, informa Carvalho. “Isso sinaliza uma rápida mudança de tendência em relação aos últimos meses, demonstrando que começou a haver uma maior quantidade de matéria-prima disponível na indústria”, reforça o pesquisador.
Para Lorildo Stock, analista da Embrapa, o melhor preço pago ao produtor pela diminuição da oferta estimulou o setor primário a investir mais na alimentação do rebanho e as vacas responderam com maior volume de leite. Outra frente que motivou a expansão da oferta foram as importações, que atingiram o equivalente a 172 milhões de litros em agosto, 63,3% maior em relação a julho e 129,9% em relação a agosto de 2021.
Outro fator não muito positivo que puxa os preços para baixo é a queda na demanda do consumidor pelo produto. “A inflação comprometeu o poder de compra dos salários e impôs dificuldades para o mercado assimilar o aumento dos preços, o que provocou uma redução significativa na demanda”, diz Carvalho. As consequências desse conjunto de fatores atingiram primeiro o mercado atacadista, onde o preço do leite UHT (Temperatura Ultra Alta), também conhecida como Longa Vida ou “leite em caixa”, caiu 23,5% em agosto e a mussarela, 15,7%.
A primeira quinzena de setembro mostra certa estabilidade nos preços, mas a tendência é que a redução se amplie em outubro, quando a produção nas regiões Sudeste e Centro-Oeste aumenta. Mas o consumidor já está percebendo a desaceleração e até a queda nos preços dos lácteos no varejo. Após o grande salto observado em julho (14%), o aumento do leite em agosto foi de 0,4%, com destaque para a queda de 1,8% no preço do leite UHT.
cenário global
No ambiente doméstico, os índices da economia brasileira estão sendo revisados para cima. A última previsão do Banco Central aponta para um crescimento em 2022 próximo de 2,5%. O desemprego está caindo, atingindo 9,1%, o menor nível desde 2016. Esse cenário positivo se deve à recuperação do setor de serviços e também à melhora dos investimentos.
No entanto, o cenário global ainda é preocupante. Os efeitos da guerra na Ucrânia causaram inflação e uma crise energética em várias regiões do mundo. “A Europa, principalmente, mas também os Estados Unidos podem entrar em recessão no final deste ano”, prevê Oliveira. Na China, há a perspectiva de uma crise imobiliária que limita o crescimento daquele país. Alguns analistas já preveem um crescimento chinês de menos de 4% este ano.
Quanto ao mercado global de leite, Stock diz que a oferta continua restrita, impactada por questões climáticas e aumento dos custos de produção. “O preço dos lácteos no mercado internacional ainda está acima dos níveis médios observados nos últimos anos, mas caiu nos últimos meses, o que pode ser reflexo da menor demanda na China”, aponta o analista.
Oliveira destaca que o acompanhamento atento do mercado internacional será fundamental para que o setor se posicione estrategicamente nos processos de produção e gestão do agronegócio leiteiro nacional. “Os preços do leite tendem a cair, mas é preciso ficar atento ao fato de que os custos de produção são altos”, enfatiza Oliveira.
O preço dos insumos tem sido uma grande preocupação da cadeia produtiva, embora a relação de troca ainda seja favorável aos produtores. De acordo com o ICPLeite/Embrapa, que mede o custo de produção, houve variação positiva de 10,4% nos últimos 12 meses (dados de agosto). Mas a relação de troca litro de leite/mistura concentrada, que serve de alimento para a vaca, continua melhorando, justamente porque o preço do leite está em um patamar mais alto. Em agosto, foram necessários 29,7 litros de leite para a compra de 60 kg de mistura, contra 38,6 litros observados em agosto de 2021. Porém, com essa tendência de queda nos preços do leite e do leite, o produtor de leite precisa ficar atento.
“Quedas acentuadas de preços podem comprometer a rentabilidade dos sistemas de produção e causar um novo desequilíbrio de oferta”, destaca Oliveira. No entanto, há fatores que podem conter uma queda vertiginosa, que pode prejudicar a produção primária, como, por exemplo, o aquecimento da economia, que mostrou vigor no segundo semestre.