Por Eric Dereudre, vice-presidente internacional de relações externas da Corteva Agriscience

Há quatro anos, a Comissão Europeia surgiu com a ambição de criar um conjunto de 50 medidas destinadas a tornar a Europa o primeiro continente a ser neutro em gases com efeito de estufa até 2050. Estas orientações fazem parte do Acordo Verdeou Pacto Verde.

O Acordo Verde parte da premissa de que o aquecimento global e as alterações climáticas são desafios globais e apresenta-se como um plano para colocar a União Europeia no comando desta nova economia, que liderará a forma como enfrentamos estes desafios.

Um dos pilares mais importantes deste documento diz respeito à agricultura, que é descrita como “um sistema alimentar saudável para as pessoas e para o mundo” e inclui os seguintes objetivos: garantir a segurança alimentar face às alterações climáticas e à perda da biodiversidade; reduzir a pegada ambiental e climática do sistema alimentar da União Europeia, reforçando a sua resiliência; e liderando a transição global rumo à sustentabilidade competitiva do campo à mesa.

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Segundo a Comissão Europeia, a estratégia “from farm to table” é o pilar central da Acordo Verdeque visa tornar o sistema alimentar justo, saudável e sustentável por meio de ações que incluem a redução de 50% no uso de pesticidas e 20% no uso de fertilizantes até 2030.

As mudanças propostas não são pequenas nem fáceis de implementar, pois implicam profundas transformações. Embora a grande maioria dos europeus entenda que a sustentabilidade deve ser uma prioridade para o futuro, não há consenso sobre como essa questão será abordada e o que deve ser sacrificado para atingir esse objetivo.

Essas mudanças e restrições recaem sobre países de outros continentes, como o Brasil, que exporta bilhões de dólares em commodities para a Europa todos os anos. Nesse ponto reside o grande dilema da regulamentação: ao contrário do que foi planejado, a segurança alimentar pode ser fortemente impactada pelas imposições do Acordo Verde.

Com a Covid-19 e a Guerra na Ucrânia, nunca se falou tanto sobre a importância de os alimentos chegarem às pessoas em situação de vulnerabilidade social de forma rápida, segura, com qualidade e a custos acessíveis. A fiscalização, emissão de documentação e certificações que serão impostas aos países exportadores e, consequentemente, a toda a cadeia do agronegócio, podem resultar em alimentos mais caros, pois esse custo será repassado para as gôndolas dos supermercados. Nenhuma sociedade, empresa ou país é contra soluções para reduzir a pegada de carbono global e combater o desmatamento. Estamos todos vivendo no mesmo planeta. No entanto, deve-se ter cuidado para que essas ações não tenham efeito contrário, principalmente em seu aspecto central – a promoção da segurança alimentar.

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O Acordo Verde também não leva em consideração se os principais exportadores de alimentos aceitarão essas restrições. Esses países podem direcionar seus esforços para outros mercados, como China e Rússia. A questão agora é: os europeus serão capazes de cultivar, colher e comercializar domesticamente todos os alimentos de que precisam? A resposta é óbvia: nenhum país sozinho pode produzir tudo o que precisa.

O livre comércio de alimentos é fundamental para a segurança alimentar. A Comissão Européia pode impor seus padrões às importações, mas, por outro lado, isso levará a interrupções no comércio de commodities.

Outra discussão importante é sobre o limite máximo de resíduos (LMR) de agrotóxicos, padrão que todo país deve seguir para importar milho, soja, café etc. É definido por estudos toxicológicos, para garantir que o alimento seja seguro para consumo humano. Ou seja, já existe controle e regulamentação sobre o assunto. O Acordo Verde exige, no entanto, que esse limiar seja drasticamente reduzido, resultando em impactos na produtividade e, ainda mais importante, na criação de novas barreiras comerciais e no aumento da complexidade da cadeia de abastecimento alimentar.

A questão do desmatamento, outro alvo da agenda da Diplomacia Verde da União Europeia, é outro ponto de interrogação. Como isso pode ser rastreado? A UE pretende proibir a compra de produtos cultivados em áreas desmatadas, mas não considera políticas já adotadas em alguns países – como o Brasil. A Europa procura impor uma due diligence antes da importação, para comprovar que a aquisição de produtos de outros continentes não está associada ao desmatamento. Isso incluirá rastreabilidade e geolocalização de origem, dando mais um passo em direção à especialização do que há anos é uma commodity agrícola acessível. Qual é o impacto na cadeia global de abastecimento alimentar, em particular para os países mais vulneráveis? Além disso, há países, como o Brasil, que seguem rígidas leis ambientais, como o Código Florestal Brasileiro, que diferencia o desmatamento legal do ilegal. Como isso será considerado sem violar os padrões comerciais globais?

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O Acordo Verde pode se tornar uma barreira ao comércio mundial e uma questão política entre as nações. Não queremos ver a Europa apontando o dedo para os agricultores do Brasil ou dos Estados Unidos.

As diretrizes europeias terão um impacto maior nas pessoas fora da Europa do que dentro da Europa: agricultores, consumidores, países exportadores e populações que hoje precisam de acesso rápido a alimentos de alta qualidade podem sofrer as consequências dessas restrições. A segurança alimentar global depende hoje de um comércio aberto e equilibrado entre os países.

Mais uma vez, isso não é contra o princípio da Acordo Verde. Somos apenas cautelosos em não avaliar os riscos dessas medidas e precisamos saber como essas diretrizes serão implementadas. Qualquer política importante deve sempre ser precedida de uma avaliação de impacto.



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