*Por Lineu Neiva Rodrigues, pesquisador da Embrapa Cerrados e Fernanda Laurinda Valadares Ferreira, bolsista de pós-graduação da Universidade Federal de Viçosa
A água é um elemento natural fundamental para a existência da vida no planeta e, por isso, é necessário conhecer os elementos que alteram sua dinâmica, principalmente sua qualidade e quantidade. A situação de escassez de água tem aumentado em várias regiões do Brasil.
Nas últimas cinco décadas, avaliando o cenário mundial, a área irrigada dobrou, a produção pecuária triplicou e a aquicultura aumentou cerca de 20 vezes, mostrando um aumento da demanda de água em escala global. Há uma expectativa de que a demanda de água continue aumentando significativamente em todo o mundo nas próximas décadas, sendo a agricultura o setor que mais demanda água, na ordem de 70% das extrações do planeta. Também são esperados aumentos na demanda de água dos setores industrial e energético, além de uma aceleração no processo de urbanização, que acaba demandando grandes volumes de água para abastecimento e esgotamento sanitário.[1].
A insustentabilidade na gestão dos recursos naturais é passível de prejuízos econômicos e sociais. Para reverter esse cenário, é necessário aprimorar o planejamento dos recursos hídricos, aumentando a eficiência da gestão e maximizando o uso da água. A busca pelo atendimento da crescente demanda dos múltiplos usos da água, principalmente em relação ao alto consumo em concentrações urbanas, indústrias, agricultura e geração de energia, sem causar danos aos recursos naturais, deve ser constante.
As mudanças no ciclo hidrológico estão relacionadas às mudanças climáticas e à intensificação das atividades antrópicas (humanas). Essas mudanças resultaram na ocorrência de eventos hidroclimáticos extremos com maior frequência e gravidade, como enchentes ou secas, implicando em problemas nos sistemas de gestão de recursos hídricos ao redor do mundo, pois estes foram projetados e operados com a premissa de estacionaridade, ou seja, eles não consideram mudanças significativas nos dados da série hidrológica ao longo do tempo[2].
Nas últimas duas décadas, houve um aumento nos estudos sobre as tendências regionais e continentais do ciclo da água como resultado das mudanças e variabilidades climáticas, e vários estudos realizados recentemente confirmaram o comportamento não estacionário tanto da precipitação quanto do fluxo em muitas partes. do planeta[3].
Estudos[4] destacam que as tendências nas séries históricas de dados de vazões estão intimamente relacionadas ao comportamento, em conjunto ou separadamente, do uso e ocupação do solo e das mudanças no regime de chuvas. As mudanças nas distribuições temporais das chuvas em uma região podem estar relacionadas tanto às mudanças climáticas quanto à variabilidade climática.
Mudanças no regime de vazão estão sendo observadas em vários rios ao redor do mundo como resposta às mudanças ambientais. As mudanças no uso do solo podem influenciar significativamente os processos hidrológicos (infiltração, evapotranspiração, etc.), pois a transformação de áreas nativas em áreas urbanas, agrícolas ou nuas pode influenciar diretamente no escoamento superficial e na frequência de inundações.
Analisar essas mudanças em escala temporal e espacial é essencial para preservar os recursos naturais e entender a dinâmica da água na escala das bacias hidrográficas. Uma das iniciativas nesse sentido foi o estudo desenvolvido pela Embrapa em parceria com a Universidade Federal de Viçosa (UFV), que teve como objetivo analisar a relação entre as mudanças no regime pluviométrico (chuva) e o uso e cobertura do solo nas vazões do Rio Santo bacia do rio Antônio, em Minas Gerais.
A bacia hidrográfica está localizada na região do Vale do Rio Doce, abrangendo uma área de drenagem de aproximadamente 10.429 km², tendo como principais cursos d’água os rios Santo Antônio, Guanhães, do Peixe, Tanque e Preto do Itambé. Na bacia podem ser encontrados dois biomas: a Mata Atlântica, com 87% da área, é o bioma predominante, e uma pequena área (13%) de Cerrado.
A bacia em estudo foi dividida de acordo com as áreas de drenagem a montante de cada uma das seis estações fluviométricas, a fim de avaliar a influência da precipitação e do uso e cobertura do solo no regime de variação de vazão dentro da área de drenagem correspondente a cada estação do ano.
Neste estudo, foram utilizadas seis estações fluviométricas localizadas na bacia do rio Santo Antônio e 16 estações pluviométricas. Os resultados do trabalho indicaram que oito das estações pluviométricas utilizadas apresentaram tendência, em sua maioria, à redução da precipitação. Apenas em uma estação fluviométrica no regime anual foi observada tendência de queda para a série de vazões mínimas. No regime mensal, três estações fluviométricas foram não estacionárias, com tendência de redução para as séries de vazões médias e máximas dos meses de julho a setembro. Para uso e cobertura do solo, em todas as áreas de drenagem, pelo menos uma classe de uso apresentou tendência de aumento ou diminuição.
Constatou-se que o efeito isolado das chuvas no regime de vazão foi significativo para a precipitação total anual, assim como a precipitação do semestre chuvoso e do trimestre chuvoso; para as classes de uso e cobertura do solo, não foram encontradas relações significativas com o regime de vazão.
Por outro lado, verificou-se que o efeito combinado da precipitação e das classes de uso e cobertura do solo foi significativo em quase todas as áreas de drenagem. No entanto, não foram significativos para todos os regimes de escoamento avaliados.
Analisando isoladamente a relação entre precipitação e uso e cobertura do solo no regime de vazão, verificou-se que os regimes de vazão que possuem relação significativa com a precipitação foram: precipitação total anual, precipitação do semestre chuvoso e precipitação do trimestre chuvoso. Por outro lado, as relações dos regimes de vazão com as classes de uso e cobertura do solo não foram significativas para nenhuma das áreas de drenagem.
Os resultados obtidos confirmam a importância de se estudar a influência da precipitação e do uso e cobertura do solo no regime de vazão, visando à adequação dos sistemas de gestão dos recursos hídricos à variabilidade do comportamento hidrológico ao longo do tempo.
Mais informações sobre o estudo da Embrapa e da UFV podem ser encontradas nos seguintes artigos científicos:
FERREIRA, FERNANDA LAURINDA VALADARES; RODRIGUES, LINEU NEIVA; DA SILVA, DEMETRIO DAVID. Influência das mudanças no uso e cobertura do solo e pluviosidade no regime de vazão de uma bacia hidrográfica localizada na região de transição dos biomas brasileiros Mata Atlântica e Cerrado. Monitoramento e Avaliação Ambiental, vol. 193, pág. 1-17, 2021. (https://link.springer.com/article/10.1007/s10661-020-08782-5).
FERREIRA, FERNANDA LV; RODRIGUES, LINEU N.; SILVA, DEMÉTRIO D. DA; TEIXEIRA, DAVID B. DE S.; ALMEIDA, LAURA T. DE. Tendências de séries temporais de vazões e chuvas na bacia do rio Santo Antônio, Brasil. Eng Agr, v. 41, p. 47-55, 2021. (https://www.scielo.br/j/eagri/a/YXkBVGPtrPwxShmjTXmhWYx/?lang=en).
[1] UNESCO – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA. Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento de Recursos Hídricos. Águas Residuais – O Recurso Inexplorado – WWAP, 2017.
[2] JIANG, C. et al. Análise de frequência bivariada de séries não estacionárias de baixo fluxo com base na cópula variante no tempo. Processos Hidrológicos, v. 29, nº. 6, pág. 1521-1534, 2015.
[3] ISHIDA, K. et ai. Análise de tendências de precipitação em escala de bacia hidrográfica no norte da Califórnia por meio de projeções climáticas futuras CMIP5 dinamicamente reduzidas. Ciência do Ambiente Total, v. 592, p. 12-24, 2017.
[4] KIBRIA, KN et al. Tendências de fluxo e respostas à variabilidade climática e mudanças na cobertura da terra em Dakota do Sul. Hidrologia, v. 3, n. 1, pág. 2, 2016.