*Por Nicole Rennó Castro, professora da Esalq/USP e pesquisadora do Cepea
Uma pergunta que muitas vezes nos surge no Cepea é: qual é, afinal, a participação do agronegócio no PIB brasileiro? Ficaria em torno de 5 a 6%, conforme aponta o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)? Ou entre 25 e 30%, como diz o Cepea? A dúvida existe por falta de compreensão dos conceitos, que procuro esclarecer a seguir.
O IBGE é a instituição responsável pelas Contas Nacionais no Brasil e adota uma série de recomendações e normas internacionais, inclusive no que diz respeito à classificação das atividades econômicas – principal aspecto de interesse deste texto. Uma atividade econômica é descrita e classificada de acordo com algumas de suas características, como o tipo de bem ou serviço que produz, o tipo de insumo que utiliza, sua técnica de produção ou ainda os usos de seu produto (Sistema de Contas Nacionais – SCN, 2008[1]). Considerando essas características, o IBGE agrupa as diversas atividades econômicas do país segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE (versão 2.0), classificação compatível com a adotada internacionalmente.[2]. Em sua versão atual, o Sistema de Contas Nacionais Trimestrais divulga informações sobre o valor agregado setorial (conceito entendido e analisado na prática como o PIB dos setores) para as seguintes atividades agregadas: agropecuária; indústria (desagregada em Extrativa, Transformação, Construção e Produção e distribuição de eletricidade e gás, água, esgotos e limpeza urbana); e serviços (desagregados em Comércio, Transportes, armazenagem e correio, Serviços de informação, Intermediação financeira e pensões complementares, Outros serviços; Actividades imobiliárias; Administração, saúde pública e educação e segurança social)[3].
Nessa classificação, a agricultura (seção A da CNAE) é o setor que explora os recursos naturais vegetais e animais, abrangendo as atividades agropecuárias e de produção; cultivo de espécies florestais; extração de madeira em florestas nativas, coleta de produtos vegetais e exploração de animais silvestres em seus habitats naturais; além da pesca extrativista e da aquicultura[4]. Portanto, os números do PIB agrícola do IBGE referem-se exclusivamente ao que entendemos como produção “dentro do portão”.
Em seus cálculos, o Cepea utiliza informações secundárias e oficiais do IBGE para medir o PIB do agronegócio, conceito mais amplo e abrangente do que a agricultura, que engloba também as atividades econômicas de outros setores de atividade (indústria e serviços). Especificamente, o agronegócio é definido como um setor econômico com vínculos com a agricultura, tanto a montante como a jusante, envolvendo: a produção de insumos para a agricultura, a própria agricultura, agroindústrias que processam essas matérias-primas e distribuição e outros serviços necessários para a agricultura e agroindústria. produtos cheguem ao consumidor final.
O setor “agronegócio” não está definido nas classificações de atividades econômicas oficiais adotadas pelos órgãos responsáveis pelas contas nacionais dos países (como o IBGE no Brasil), e, portanto, não há estatísticas oficiais sobre o PIB (ou outras agregados, como o emprego) nesse sector. Considerando o interesse analítico desse número, o Cepea realiza o cálculo, com apoio da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil). É importante ressaltar que o Cepea aplica aos dados nacionais apenas um conceito que vem sendo definido e compreendido, naturalmente com algumas diferenças, internacionalmente. O conceito de agronegócio surgiu na década de 1950 na Universidade de Harvard, com o trabalho de Davis e Goldberg. Ao mesmo tempo, na década de 1960, a noção de analyze de filière (cadeia produtiva) se difundiu na escola industrial francesa (BATALHA, 2014).[5]. O termo ganhou importância no Brasil a partir da década de 1990.
Cabe um último esclarecimento conceitual importante sobre isso: não há, como às vezes se pensa, uma “multiplicação de pães” com o objetivo de inflar a importância da agricultura no país – o que ocorreria se a produção agrícola fosse duplamente contabilizada ( ou mais vezes) acrescentando, por exemplo, o valor do trigo, depois o da farinha de trigo e novamente o dos pães ou massas. Como visto no Cepea (2017)[6], para calcular o PIB do agronegócio, adota-se o conceito de valor adicionado – como feito pelo IBGE nos cálculos do PIB setorial, que faz parte das recomendações internacionais. Como a produção de um setor é utilizada na produção de outros na sequência de uma cadeia, deve-se utilizar a abordagem de valor agregado, caso contrário estaria de fato incorrendo em dupla contagem. Portanto, para chegar ao PIB do agronegócio e de cada segmento, deve-se deduzir do valor da produção do setor de interesse o valor do que foi adquirido de outros setores (consumo intermediário). Segundo Feijó et al. (2013) [7], o valor adicionado ou adicionado por um setor é a medida relevante para avaliar o esforço produtivo. No nosso exemplo, para calcular a contribuição da indústria responsável pela farinha de trigo para o PIB, o que foi gasto com trigo e outros insumos é deduzido do valor de produção da farinha; então, para calcular a contribuição da indústria de massas, desconta-se o que foi gasto com farinha de trigo e outros insumos.
Portanto, o PIB do agronegócio calculado pelo Cepea não pretende, de forma alguma, contestar os dados oficiais da agropecuária divulgados pelo IBGE. É um indicador complementar, que em muitas situações é analiticamente útil. Uma discussão bastante interessante e completa sobre o assunto está no texto “Agronegócio – conceito e evolução”, publicado recentemente e de autoria do Coordenador Científico do Cepea, Professor Geraldo Barros (acesse aqui).
Que número, então, deve ser usado? Depende. Se o objetivo é conhecer a dimensão da atividade agropecuária, ou da produção “dentro da porteira”, o número adequado é o do IBGE, que indica que esse setor representou em média 4,8% da economia de 1995 a 2021 . o objetivo é conhecer o tamanho das cadeias como um todo, ou do agronegócio, deve-se usar o número do Cepea – também para a média de 1995 a 2021, o agronegócio respondeu por 23% da economia[8]. Claro que esta é uma estimativa, encontrada ao aplicar a metodologia desenvolvida pelo Cepea, que não é a única forma possível para esta medição. Só é importante ter em mente, ao utilizar o número do Cepea, que não se faz referência apenas à agricultura, mas a uma diversidade de cadeias produtivas, incluindo indústrias e serviços a ela vinculados.
[1] Veja https://unstats.un.org/unsd/nationalaccount/docs/sna2008.pdf
[2] Classificação Industrial Padrão Internacional de todas as Atividades Econômicas – ISIC
[3] Ver: Série Relatórios Metodológicos. Contas Nacionais Trimestrais – ano de referência 2010. 3ª edição. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Rio de Janeiro, 2016.
[4] De acordo com a Comissão Nacional de Classificação (CONCLA).
[5] Ver BATALHA, MO Gestão agroindustrial : GEPAI : Grupo de estudos e pesquisas agroindustriais / coordenador Mário Otávio Batalha. – 3ª edição. – 8. reimpressão. – São Paulo: Atlas, 2014.
[6] https://cepea.esalq.usp.br/upload/kceditor/files/Metodologia%20PIB_22.07.21.pdf
[7] FEIJÓ, C.; RAMOS, RLO; LIMA, FCGC; BARBOSA FILHO, NH; PALLIS, R. Contabilidade Social: Referência Atualizada às Contas Nacionais do Brasil (Vol. 4). Elsevier Brasil, 2013.
[8] No processo de cálculo do PIB do agronegócio, o Cepea calcula os PIBs dos segmentos de insumos, agricultura, agroindústria e agrosserviços, cujas participações médias no PIB brasileiro, de 1995 a 2021, foram de 0,9%, 4,6%, 7,4 % e 24,7%.