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Estratégias para o sucesso no tratamento de mastite clínica

Estratégias para o sucesso no tratamento de mastite clínica

Rafael Águido – Médico veterinário, Pós-graduando em pecuária leiteira, Equipe ReHAgro.

O principal desafio atual das propriedades leiteiras é a implantação de um programa de prevenção da mastite, baseado em um bom manejo de ordenha, melhoria das condições ambientais e da capacidade imunológica das vacas, dando a elas condições de combater rapidamente a invasão de microorganismos na glândula mamária.  Um ponto importante no sucesso contra a apresentação clínica da doença é a eficácia no tratamento, evitando recidivas e surgimento de vacas afetadas cronicamente, que hoje é uma das principais causas de descarte involuntário, além de representaram os maiores gastos com medicamentos em uma fazenda leiteira.

Inúmeros são os questionamentos quanto ao tratamento da mastite clínica: Quantos dias tratar? Qual antibiótico usar? Injetável e/ou intramamário? Devo ou não utilizar antiinflamatórios? Quando devo trocar a base do antibiótico?

Apesar de algumas estratégias mostrarem bons resultados, a verdade é que não existe uma “receita” pronta que resulte no sucesso do tratamento, mas o somatório de alguns fatores, como cuidados com higiene, treinamento da mão de obra, conhecimentos dos agentes e medicamentos, além do ge-renciamento dos números, que são decisivos para o sucesso no tratamento dos casos clínicos.

Recidivas

A freqüência de novas infecções e a duração das infecções já existentes determinam a gravidade da mastite no rebanho. E este é o grande desafio do tratamento: promover cura clínica e bacteriológica, ou seja, acabar com os sintomas e com os microorganismos que estão infectando a glândula mamária. Muitas vezes nos deparamos com algumas vacas que retornam à mastite várias vezes na lactação e são de difícil cura. Isso acontece pelo fato da doença alternar entre as formas clínica e subclínica, e esta reversão ser vista, muitas vezes, como cura. Vacas subclínicas que voltam a apresentar mastite clínica em estágios avançados da lactação apresentam menor taxa de cura, pelo fato do microorganismo invadir o tecido secretório, dificultando a ação do antibiótico. Isso evidencia a necessidade de tratar bem o primeiro caso clínico da lactação, visando minimizar as recidivas.

Diagnóstico precoce

A partir deste contexto, o primeiro passo para o sucesso no tratamento do caso clínico é o di-agnóstico precoce. Neste ponto, são detectadas falhas graves nas fazendas, principalmente relacionadas ao critério utilizado pelos ordenhadores no momento de iniciar ou não a terapia. Foi criada a idéia de que a mastite clínica ocorre apenas quando observam-se grumos, e outras alterações que podem ser detectadas precocemente, passam despercebidas, como:

– alteração na característica do leite: “aguado”ou com coloração alterada

– úbere inchado, vermelho e quente

– pequenos grumos nos primeiros jatos do teste da caneca, que muitas vezes é considerado apenas como o resquício do leite residual da ordenha anterior

Portanto, os ordenhadores devem estar treinados para identificar as diferentes alte-rações causadas pela mastite, para que a precocidade no tratamento contribua no su-cesso do mesmo.

Higiene no tratamento

Após o diagnóstico, outro ponto fundamental é a higiene nos procedimentos de tratamento. É fato que, logo após a remoção das teteiras a ponta do teto está contaminada, e a introdução das cânulas intramamárias, sem uma prévia desinfecção, carreará bactérias para a cisterna do teto, diminuindo as chances de cura (figura 1). Em função disso, tem-se u-sado, com sucesso, a prática de desinfecção da ponta do teto, antes da introdução das cânulas intramamárias, com o produto utilizado no pré ou pós-dipping (Iodo, Cloro, Clorexidine, etc). O produto deve agir por um período mínimo de 30 segundo, procedendo-se, em seguida, a secagem com papel toalha. Pode-se utilizar também lenço ou algodão umedecidos em álcool 70%. Além disso, atitudes simples como utilização de luvas pelo ordenhador, remoção do lacre da bisnaga a-penas no momento da aplicação, e introdução de cânulas curtas, diminuem consideravelmente o desafio de nova contaminação do canal do teto (Figura 2).

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Duração do tratamento

Quanto tempo tratar as vacas para garantir boas taxas de cura e o mínimo de recidivas de maneira economicamente viável? No dia-a-dia das fazendas, observam-se protocolos de tratamento que preconizam a finalização do antibiótico no momento em que a vaca não apresentar mais grumos no leite, e algumas vacas apresentam melhora clínica logo no primeiro dia de tratamento. No entanto, terapias curtas aumentam os riscos de cronificação, de alta CCS, e de recidivas futuras com baixíssima taxa de cura. Então, o que fazer?

Os trabalhos mostram que, ao contrário do que dizem as bulas dos medicamentos intramamários, as terapias devem ser prolongadas, para garantir a cura bacteriológica, e devem priorizar a utilização de antibióticos intramamários (Tabela 1). Terapias parenterais (antibióticos injetáveis) devem ser utilizadas em situações especiais, as chamadas mastite grau 3, nas quais a vaca apresenta estado clínico geral ruim, com febre, falta de apetite, desidratação e letargia.

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À partir destes dados, e de experiências práticas, uma estratégia interessante é o tratamento por, no mínimo, 3 dias, em 2 ordenhas diárias, independente da melhora do quadro clínico. Em casos de insucesso no tratamento com a primeira base de antibiótico, é necessário iniciar uma nova terapia com novo medicamento, utilizando o mesmo protocolo descrito acima. Caso necessário, uma terceira base deve ser utilizada em animais que não respondam bem aos 2 primeiros tratamentos. Por isso, é importante ter na propriedade pelo menos 3 antibióticos intramamários, com diferentes bases, como alternativa para vacas que não respondam bem ao início do tratamento. Outro ponto importante é tratar os animais por, pelo menos, 2 ordenhas (24 horas) após o fim dos sintomas, garantindo, além da cura clínica, uma grande chance de cura bacteriológica.

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Quando o antibiótico intramamário não é suficiente?

Em algumas circunstâncias, é preciso recorrer a outros medicamentos, como antiinflamatórios e antibióticos injetáveis. Para isso, classifica-se a mastite em 3 graus, de forma a padronizar e ter parâmetros para a tomada de decisão sobre qual terapia instituir.

• Mastite Grau 1: Alterações visíveis apenas nas características do leite. Ou seja, o animal não apresenta inchaço no úbere ou qualquer alteração no seu estado clínico geral. Nestes casos, encontram-se apenas grumos ou leite com características anormais de coloração e viscosidade. Neste tipo de mastite é necessária apenas a utilização de antibióticos intramários.

• Mastite Grau 2: Alterações visíveis no leite e na glândula mamária. Nesta categoria estão os animais que apresentam alterações no leite e na glândula mamária. Estes casos são facilmente diagnosticados pelo fato do úbere apresentar-se averme-lhado, quente, com aumento de volume e muitas vezes mais consistente, sendo necessária a utilização de antiinflamatórios não esteroidais (AINES) associados ao antibiótico intramamário .

• Mastite Grau 3: O animal apresenta alterações no leite, glândula mamária e no seu estado clínico geral. As vacas encontram-se prostradas, desidratadas, comem pouco e, em muitos casos, apresentam as mucosas congestas (arroxeadas). Muitos destes casos graves de mastite são causados pela chegada de bactérias à corrente sanguínea ou liberação de toxinas, causando uma reação inflamatória sistêmica que deve ser minimizada rapidamente ou o animal poderá ir a óbito em poucas horas. Nestas situações, é importante utilizar antibióticos injetáveis (Sulfa e Trimetropim, Ceftiofur, Oxite-traciclina, etc.) e intramamários, além de um tratamento suporte com antiinflamatórios (preferencialmente flunixine meglumine) e hidratação oral ou endovenosa.

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Qual antibiótico utilizar?

Muitas propriedades utilizam o antibiograma, com o objetivo de escolher o medicamento e o protocolo de tratamento baseado nos resultados destes testes laboratoriais. Fato é, que os diferentes tipos de antibióticos (Gentamicinas, Cefalosporinas, Penicilinas, Tetraciclinas, etc), apresentam resultados variados depen-dendo da fazenda. Além disso, vários trabalhos revelaram pouca relação entre os resultados de sensibilidade (antibiograma) e as taxas de cura bacteriológica. Esta divergência é atribuída aos poucos estudos quanto ao comportamento da solução intramamária dentro da glândula mamária. Um exemplo disso, é que a grande maioria dos testes mostram uma alta sensibilidade do Staphilococccus aureus aos antibióticos e, na prática, o tratamento de vacas portadoras deste agente é comumente frustrante.

Então, como serão escolhidos os antibióticos utilizados na fazenda? Para a decisão acertada, é preciso recorrer à gestão dos números que envolvem o tratamento de mastite e fazer com que a propriedade seja o “antibiograma” e diga qual antibiótico utilizar. Para isso, é necessário que sejam feitas anotações criteriosas dos tratamentos pelos ordenhadores. À partir destas planilhas de controle será possível definir quais antibióticos utilizar, baseando-se em um índice chamado de “Eficiência de Tratamentos”.

Para o levantamento deste número, são levadas em consideração as vacas que se curaram com determinado antibiótico –  vacas que se curaram da mastite e não apresentaram recidiva no quarto tratado, 15 dias apos o final do tratamento. À partir deste índice é definida a eficiência de cada protocolo, que já é oferecido em alguns softwares de gestão pecuária.

Exemplo: em determinada fazenda foram tratados 30 casos de mastite com determinado antibiótico (protocolo 1). Desses, apenas 10 apresentaram cura, e outros 20 necessitaram de nova opção de medicamento. À partir destes números, chegou-se à eficiência do protocolo 1, que foi de 33,3% (10/30), número muito inferior às metas aceitáveis, evidenciando a necessidade de revisão do mesmo e a escolha de novas opções para a fazenda.

Outras ferramentas são utilizadas na avaliação da eficiência do tratamento, como a CCS e o cultivo microbiológico. A CCS, apesar de ser indicativa de infecção, pode ser enganosa pelo fato de sua diminuição não ne-cessariamente ser acompanhada de cura bacteriológica. Nesse caso, pode ocorrer o efeito da diluição dos outros quartos ou, mesmo com declínio na CCS da glândula tratada, bactérias resi-duais podem continuar sendo li-beradas.  O outro método, pouco utilizado nas fazendas, é a realização do cultivo pós-tratamento. De acordo com especialistas, a definição de cura deveria ser baseada em, pelo menos, 2 culturas intervaladas de 15 e 30 dias após o final do tratamento.

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Imunidade

Além dos objetivos propostos de diminuir o desafio ambiental e tratar corretamente a mastite, é importante que se tenha como foco a imunidade da vaca. Para isso, deve-se estar atento ao estresse (térmico, social, manejo, etc), balanceamento de mi-nerais e vitaminas (tabela 3) e preservação do esfíncter do teto, que é a primeira barreira contra a entrada e colonização bacteriana no úbere.

Toda esta preocupação com a imunidade, vem do fato de que algumas infecções na glândula mamária têm auto-resolução, e este processo é totalmente dependente da eficiência dos mecanismos de defesa do animal, principalmente nas mastites ambientais causadas por microrga-nismos gram-negativos.  Somado a isso, o sucesso da ação do antibiótico é extremamente depen-dente do sistema imune da vaca, uma vez que, mesmo durante o tratamento, grande parte da eliminação de bactérias no úbere é feita pelas células de defesa do organismo.

Em resumo, pode-se concluir que vacas com sistema imune mais eficiente têm menos casos clínicos de mastite, se curam mais rápido e necessitam de menos medicamentos, diminuindo os impactos negativos desta doença no rebanho.  •

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